A CAMÕES
Autor: Soares de Passos on Friday, 9 November 2012
Ante vós, Claro Senhor,
	Que pondes os sãos cuidados
	De bons estudos no amor,
	E que d'homens applicados
	Sois o exemplo, e o protector;
	Levanto sem pejo a voz;
	Que essa alma nunca despreza
	O pouco que encontra em nós;
	Não produz a Natureza
	Muitos homens como vós;
	Pois vi outr'ora amparado
	O discreto, e doce Brito,
	Triste moço, em flor cortado,
	Que hia alevantando o esprito,
	De vossas luzes guiado;
A água chia no púcaro que elevo à boca.
«É um som fresco» diz-me quem me dá a bebê-la.
Sorrio. O som é só um som de chiar.
Bebo a água sem ouvir nada com a minha garganta.
Aquelle que partiu no brigue _Boa Nova_,
	E na barca _Oliveira_, annos depois, voltou;
	Aquelle santo (que velhinho e jà corcova)
	Uma vez, uma vez, linda menina amou:
	Tempos depois, por uma certa lua-nova,
	Nasci eu... O velhinho ainda cà ficou,
	Mas ella disse:--«Vou, alli adiante, à _Cova_,
	Antonio, e volto jà...» E ainda não voltou!
	Antonio é vosso. Tomae là a vossa obra!
	«Só» é o poeta-nato, _o lua_, o santo, a cobra!
	Trouxe-o d'um ventre: não fiz mais do que escrever...
Acho tão natural que não se pense
Que me ponho a rir às vezes, sozinho,
Não sei bem de quê, mas é de qualquer cousa
Que tem que ver com haver gente que pensa
Que pensará o meu muro da minha sombra?
Escrito em 1-10-1917.
Aceita o universo
Como to deram os deuses.
Se os deuses te quisessem dar outro
Ter-to-iam dado.
Escrito em 7-5-1914.
Acordo de noite subitamente,
E o meu relógio ocupa a noite toda.
Não sinto a Natureza lá fora.
Se me aparecesses: em que língua me falarias?
Seria eu capaz de ver a luz que trarias vestida?
Se pudesse servir-me-ia a ti agora mesmo.
	À boca dava-te o alimento dos dias.
	Depois dar-te-ia,
	até que te adormecesse o amor,
	à boca dele,
	o alimento
	à rosa.
	Regava-te de luz.