TEMOR E DOÇURA
Autor: CharlesSilva on Tuesday, 18 June 2013TEMOR E DOÇURA
TEMOR E DOÇURA
MENSAGEM ELETRÔNICA
Muitos sonhos acordaram ou deixaram de ser sonhados.
Muito amor sentido teve que ser contido. Como um choro que tem que ser inibido.
Muito do antes feito e vivido teve que ser mantido sem causa e efeito.
Muitas torres erguidas em nome de um futuro desmoronaram como em um terremoto.
Muitas cores vistas acinzentaram-se em metamorfose diante de uma mensagem.
E o amor em mim quase morreu lendo o recado do fim, numa mensagem eletrônica.
Charles Silva
balada XXV
[para o Afonso]
todos os oceanos de gelo
No palco
É no palco onde sou mais verdadeiro, mais claro, mais exato. No palco todas as paixões viram baladas românticas e toda lágrima vira blues. No palco sentimentos sem nome e sem identificação mostram-se em mim. Onde me conheço e me desconheço simultaneamente, isso é estar no palco.
Charles Silva
Era glacial
Quem sabe o coração me dirá que essa escuridão um dia vai acabar, ou quem sabe o sol vai nascer e acabar com essas sombras, tenebrosas sombras dessas intermináveis noites frias. Mãos geladas, baixa pulsação, o corpo doe de frio, mas a alma resiste, não há cor, tudo é gelo ou cinza no meu coração que está em plena era glacial.
Charles Silva
Ela está comigo
Assustei com uma canção feia. A minha esquerda. A minha direita. Para olhar para a frente. Olhei para trás. Vi a cruz das 4 direções do espaço. E parei. Parei diante de um cruzamento supersticioso. Com vermes. Corados. A espernear. Saídos de buracos húmi-dos com pêlos. Pretos. Mortos.
Miguelsalgado, "Escuro"
2.
Sonhei com um cavalo-marinho de boca aberta nas montanhas.
Estava morto mas mexia-se.
O vento empurrava-o e ele rebolava com a boca aberta.
Nas montanhas vi homens e mulheres a dançar.
Um homem solitário escavava no meio dos homens e das mulheres.
E os homens e mulheres continuavam a dançar.
Riam-se da morte.
E havia água enlameada que não parava de subir.
Tive então um desejo: meter o arco-íris na boca do cavalo-marinho e entrega-lo ao homem que escavava.
Deixa adormecer. Pega no corpo. Mete o corpo numa banheira. Não deixes acordar. Faz furos até ao interior dos ossos. Espreme os ossos para que a medula saia. Não deixes acordar. Deita água a ferver para que a pele desapareça. Esmaga o corpo até ficar como uma folha de árvore. Não deixes acordar. Tira o corpo desse banho de sangue. Não dei-xes acordar. Pega no corpo. Enrosca o corpo. Mete o corpo num canhão a apontar para o céu. E dispara. Para que o corpo chegue até à abóbada celeste. Para que o corpo possa flutuar como uma folha caduca. E assim cair suavemente.