UM BRINDE
Autor: Bulhão Pato on Friday, 1 February 2013
Amei-a muito, é certo. Amei-a com o louco
E desvairado amor d'alguem que nunca amou.
Por isso que a amei tanto é que a amei por tão pouco.
--Escusa de insistir. O meu amor findou.
Como um perfume leve que pelo ar se expande,
Assim esta paixão ardente se evolou.
Já nada resta agora d'esse amor tão grande.
--Escusa de insistir. O meu amor findou.
Hontem, ao lêr o meu bilhete quasi em branco,
Laconico e conciso, dizem que chorou,
Talvez fosse cruel, mas creia que fui franco.
Escrito em 20-6-1919.
Sim: existo dentro do meu corpo.
Não trago o sol nem a lua na algibeira.
Deitada sobre o esquife funerario
E vista á chamma trémula dos cirios,
Tinha a alvura das hostias do sacrario
E a pallidez suavissima dos lirios.
No seu rosto gentil e sorridente
Havia a languidez da pomba mansa.
Parecia dormir serenamente,
Immersa em vagos sonhos de creança.
Annos passaram desde que morreu;
Comtudo vibra intensa no meu ser,
A sensação do beijo que me deu
Poucos momentos antes de morrer.
Sempre a indesencorajada alma do homem
I
Os labios são dois imans de desejos.
A bocca, então, é calix de venenos
Com infusão de beijos.
Eu, se o mortal licor provasse ao menos
Alguma vez sómente,
Envolto já nas sombras da agonia
Ainda um beijo mais lhe pediria
--Para morrer contente...
II
Rasga do céu
A ponta do vestido
Cada quarto
E quadro coberto.
De um lado quebrado
Do outro concertado
O verbo e presente.
A quem está perto
Ou longe da gente.
Não se apoquente
Um dia você acaba voltando
Lendo e tomando café quente
Revisitando tudo que sente.