*QUADRA D'UM DESCONHECIDO*
Autor: Gomes Leal on Monday, 14 January 2013Eu morrerei, ó languida trigueira!
Sem sentir teus cabellos sobre mim,
Coroado dos lumes da poncheira,
Sobre o chão immoral d'um botequim!
Eu morrerei, ó languida trigueira!
Sem sentir teus cabellos sobre mim,
Coroado dos lumes da poncheira,
Sobre o chão immoral d'um botequim!
Pobres das flores dos canteiros dos jardins regulares.
Parecem ter medo da polícia...
Mas tão boas que florescem do mesmo modo
O Senhor, cuja Lei é sempre justa,
Deu-me uma infortunada mocidade,
Talvez para eu saber (o que é verdade)
Quanto é bom ser feliz, mas quanto custa!
Feliz de quem no mundo sem piedade,
Encontrou alma que lhe entenda a sua,
Que o mesmo é que ter na mão a Lua
Tão longe n'essa triste Eternidade!
Os meus dias passavam tristemente
Quando encontrei o teu olhar ridente:
Foi a bençam de luz da Mãe de Deus!
A. C. de Carvalho
Na noute que passou
O Christo no Calvario,
Um rouxinol cantou
Sobre a Cruz, solitario.
Os trigueiros soldados,
E os lyrios de Salem
Perguntavam pasmados
--Que voz canta tão bem?
Como sentindo os males
Das suas proprias penas
Vergavam-se nos calix
Chorando as açucenas.
Choravam os caminhos,
Os dados, os cilicios,
A grinalda d'espinhos,
E a esponja dos supplicios.
Meus pais sempre me diziam:
- filha largue a poesia,
porque você não vai trabalhar
naquele lugar carimbando
todo o dia?
É maravilhoso lá
ouvimos dizer
que os papéis nunca param de chegar
vais poder carimbar
carimbar
e carimbar
e trabalho jamais vai
lhe faltar
Eu lhes disse com um pouco de dor
pois todo e qualquer um
deseja aos pais dar orgulho:
- amados pais,
por mais que eu a poesia abandonar
sem ela
não poderei respirar
Não desmereça o tempo
em sua face menos visível
atua o ínfimo
Teu poder absoluto desafia os mares
e teu cálculo impossível
entrega aos céus o meu destino
Todas as pedras me contam algo
até mesmo as pisadas que viveu
quando ainda meninos
subiam nos barcos piratas
e descobriam outros mundos
(tesouros secretos de casas amplas)
Meus austeros passos
derramam meu sangue pelo caminho
Ouviste-me não sei quê
Trincolejar n'algibeira,
Acudiste mui lampeira,
Que me amavas. Já se vê.
Tens amado mais de mil,
Não era agora o primeiro.
Mas pensas que era dinheiro?
É a pedra e o fuzil.
Messines.
Eu sei que morrerei, discreta amante,
Antes do inverno vir; mas, lentamente,
Quero morrer á tua luz radiante,
Como os tisicos á luz do sol poente!
Sou romantico assim! O tempo ardente
Das chimeras vae longe! Vão, constante,
Morrerei crendo em ti... e o azul distante
Olhando como um sabio ou um doente!...
--Mas, eu não preso a tarde ensanguentada...
Nem o rumor do Sol!--quero a calada
Noute brumosa junto do Oceano...
Escrito em 12-4-1919.
Pétala dobrada para trás da rosa que outros dizem de veludo.