_O INCONSCIENTE_
Autor: Antero de Quental on Tuesday, 8 January 2013
Ha vinte annos já, que andas na Terra,
Ha vinte dias só, que te conheço!
Eu andava perdido pela serra,
E o que eu era então, já não pareço.
Ha vinte dias só que te conheço,
Ó meu beijo de Luz! minha Chymera!
És a Graça de Deus (com qu'estremeço)
Talvez, o que no mundo, inda me espera.
Sonho da minh'alma! Ó meu ceu d'estio!
Pois não tens piedade d'este frio
Que sinto em mim, na minha solidão!
Eu que a levei ao rio,
pensando que era donzela,
porém tinha marido.
Disse eu então: poeta, vês aquelles,
Abraçados, velozes como o vento?
Desejava poder fallar com elles.
--Chamando-os com enternecimento,
Em cá passando mais do nosso lado,
São dois amantes, lograrás o intento.
Assim que o vento os aproxima, brado:
Oh almas d'uma eterna anciedade,
Vinde fallar-me, se vos isso é dado.
Como um casal de pombas, com saudade
Do ninho, vem no ar, d'aza espalmada,
Não mais que por impulso da vontade;
Seria o beijo
Que te pedi,
Dize, a razão
(Outra não vejo)
Porque perdi
Tanta affeição?
Fiz mal, confesso;
Mas esse excesso,
Se o commetti,
Foi por paixão,
Sim, por amor
De quem?... de ti!
Tu pensas, flôr,
Que a mulher basta
Que seja casta,
Unicamente?
Não basta tal.
Cumpre ser boa,
Ser indulgente.
Fiz-te algum mal?
Pois bem: perdôa!