Geral

ESTATUA

 

Cancei-me de tentar o teu segrêdo:
No teu olhar sem côr,--frio escalpello,--
O meu olhar quebrei, a debate-lo,
Como a onda na crista d'um rochêdo.

Segrêdo d'essa alma e meu degrêdo
E minha obcessão! Para bebe-lo
Fui teu labio oscular, n'um pesadêlo,
Por noites de pavor, cheio de medo.

E o meu osculo ardente, allucinado,
Esfriou sobre o marmore correcto
D'esse entreaberto labio gelado...

D'esse labio de marmore, discreto,
Severo como um tumulo fechado,
Serêno como um pélago quieto.

Senhora! a todas as novenas ides

    Senhora! a todas as novenas ides,
    E porque vós lá ides, vou tambem.
    É um descanço sem par ás minhas lides,
    Aos meus males, e em summa faz-me bem.

    Essas graças que tendes (vós sorrides?)
    Só nas flôres as vejo, em mais ninguem.
    Se o vosso corpo é magro como as vides,
    Os cachos d'uvas que o cabello tem!

    Fazeis-me andar n'uma continua roda,
    Pelas igrejas da cidade toda,
    S. Luiz de França, Encarnação e mais.

Surpresa

Morto ficou na rua 
com um punhal no peito. 
Não o conhecia ninguém. 
Como tremia o farol, 
mãe! 
Como tremia o pequeno farol 
da rua! 

Era madrugada. Ninguém 
pôde assomar-se a seus olhos 
abertos ao duro ar. 

Que morto ficou na rua, 
que com um punhal no peito 
e que não o conhecia ninguém.

 

CONTO

 

Um Príncipe se aborrecia por só se dedicar a perfeição de generosidades

vulgares. Ele previa estonteantes revoluções do amor, e desconfiava que suas

mulheres pudessem bem mais que uma complacência enfeitada de céu e luxo.

Á VISTA D'UM RETRATO

    Amo-te, flôr! Se te amo, Deus que o sabe
    Que o diga a teus irmãos, que o céo povoam,
    E ebrios de gloria canticos entoam
    A quem no mar, na terra e céos não cabe.

    Se te amo, flôr! que o diga o mar--que expelle
    Quanto é dominio, beija humilde a praia:
    Se mal que a lua lá das ondas sáia
    Nas rochas me não vê gemer com elle.

*ULTIMA PHASE DA VIDA DE D. JUAN*

(AMOR DE COSINHA)

     Afinal D. Juan vinha, hoje, a morrer d'uma indigestão.
     (Palavras d'um grande realista)

Cançado de vãos fogos de Bengalla,
Como Pansa odeei o Pensamento,
E abandonei os ideaes de salla
--Pelo amor da cosinha succulento!

E os meus fortes desejos sensuaes,
--Desejos que hão de dar na morte escura!--
Soluçam só--ó deuses immortaes!
Só pela ama d'um florído cura.

Uma gravura fantástica

Um vulto singular, um fantasma faceto,
Ostenta na cabeça horrivel de esqueleto
Um diadema de lata, - unico enfeite a orná-lo
Sem espora ou ping'lim, monta um pobre cavalo,
Um espectro tambem, rocinante esquelético,
Em baba a desfazer-se como um epitético,
Atravessando o espaço, os dis lá vão levados,
O Infinito a sulcar, como dragões alados.

Pages