Geral

Ao Cahir das Folhas

A MINHA IRMÃ MARIA DA GLORIA

    Podessem suas mãos cobrir meu rosto,
    Fechar-me os olhos e compôr-me o leito,
    Quando, sequinho, as mãos em cruz no peito,
    Eu me fôr viajar para o Sol-posto.

    De modo que me faça bom encosto,
    O travesseiro comporá com geito.
    E eu tão feliz! por não estar affeito,
    Hei-de sorrir, Senhor! quazi com gosto.

    Até com gosto, sim! Que faz quem vive
    Orpham de mimos, viuvo de esperanças,
    Solteiro de venturas, que não tive?

NOIVA

_A João da Silva_

«Anda a dôr dissimulada
Mas ella dará seu fruito.»

Crisfal

     «_Vae ser pedida. Casa qualquer dia._»

     (_Trecho duma carta_)

Tive noticias hoje a teu respeito:
«Vae ser pedida. Casa qualquer dia».
E o coração tranquillo no meu peito
--Continuou a bater como batia...

Surpreso duma tal serenidade,
Todo eu, intimamente, me sondava:
Pois nem ciume? Nem sequer saudade?!
--E nem ciumes, nem saudade achava...

DESCALÇA!

    Quem és, que ao vêr-te o coração suspira,
            E em puro amor desfaz-se!
    Raio crepuscular do sol que nasce,
            De lampada que expira!

    Como os teus pés são lindos! como é dôce
            A curva do teu peito!
    Oh! se o meu coração fosse o teu leito,
            E o teu amado eu fosse!

    Que preciosas perolas descobre
            Teu meigo humido labio!
    E, virgem! como Deus foi justo e sabio
            Em te fazer tão pobre!

*AQUELLA ORGIA*

Nós eramos uns dez ou onze convidados,
--Todos buscando o gozo e achando o abatimento,
E todos afinal vencidos e quebrados
No combate da Vida inutil e incruento.

Tocava o termo a ceia--e ia surgindo o alvor
Da madrugada vaga, etherea e crystallina,
A alguns trazendo a vida, e enchendo outros de horor,
Branca como uma flor de prata florentina.

Todos riam sem causa.--A estolida batalha
Da Materia e da Luz travara-se afinal,
E eram já côr de vinho os risos e a toalha,
--E arrojavam-se ao ar os copos de crystal.

Logica

    Ai d'aquelles que, um dia, depozeram
    Firmes crenças n'um bem que lhes voou!
    Ai dos que n'este mundo ainda esperam!
    Terão a sorte de quem já esperou...

    Ai dos pobrinhos, dos que já tiveram
    Oiro e papeis que o vento lhes levou!
    Ai dos que tem, que ainda não perderam,
    Que amanhã, serão pobres como eu sou.

    Ai dos que, hoje, amam e não são amados,
    Que, algum dia, o serão, mas sem poder!
    Ai dos que soffrem! ai dos desgraçados

MÃOS FRIAS CORAÇÃO QUENTE

Dez da manhã. Vento da
serra. Tres graus negativos

_Mãos frias, coração quente_!
Quanta vez isto dizias
Com o teu ar sorridente,
Apertando-me as mãos frias...

Agora decerto o tenho
Num brazeiro, num vulcão.
O frio é tanto, é tamanho
Que a penna cae-me da mão...

Q'ria dizer-te o que penso
E o que faço e premedito,
Mas posso lá ser extenso
Com este frio maldito!

Tu perdoas certamente,
Tu não te zangas, pois não?
_Mãos frias, coração quente_
--Lá diz o velho rifão...

Lagrima celeste

    Lagrima celeste,
    Perola do mar,
    O que me fizeste
    Para me encantar!

    Ah! se tu não fosses
    Lagrima do céo,
    Lagrimas tão dôces
    Não chorára eu.

    Se nunca te visse
    Bonina do val,
    Talvez não sentisse
    Nunca amor igual.

    Pomba desmandada,
    Que é dos filhos teus,
    Luz da madrugada,
    Luz dos olhos meus!

    Meu suspiro eterno,
    Meu eterno amor,
    D'um olhar mais terno
    Que o abrir da flôr,

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