O luar quando bate na relva
Autor: Alberto Caeiro on Thursday, 27 December 2012
O luar quando bate na relva
Não sei que cousa me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
O luar quando bate na relva
Não sei que cousa me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
O luar através dos altos ramos,
Dizem os poetas todos que ele é mais
Que o luar através dos altos ramos.
Quando olho para o céu azul
Penso que estou sendo puxada da terra,
Pois a sua cor é tão envolvente como a força de atração da eletricidade.
Olho as estrelas em meio a uma extensão preta
Pra mim elas são como pontos ou buracos
Chamando-me para ir de encontro a elas.
Quando me lembro da imensidão azul
Daquele cheiro de mar choro,
«Um mover d'olhos brando e piedoso
Sem vêr de quê; um riso brando e honesto
Quasi forçado; um doce e humilde gesto
De qualquer alegria duvidoso
* * * * *
Um encolhido ousar; uma brandura,
Um medo sem ter culpa; um ar sereno,
Um longo e obediente soffrimento.
* * * * *
Camões
Num quente e perturbante fim de tarde,
Cujo magnetico e profundo enlevo
Ainda agora em mim crepita e arde,
Como se fosse a tarde em que te escrevo,
O Poeta
Olá, bom velho! é aqui o _Hotel da Cova_,
Tens algum quarto ainda para alugar?
Simples que seja, basta-me uma alcova...
(Como eu estou molhado! é de chorar...)
O povo
O luar averte as orvalhadas sobre a rua!
Jezus! que lindo...
Vamos! depressa! Vem, faze-me a cama,
Que eu tenho somno, quero-me deitar!
Ó velha Morte, minha outra ama!
Para eu dormir, vem dar-me de mamar...
A S.^{ra} Julia
São as Janeiras da Lua!
O Coveiro
Quando as tuas mãos inermes
Forem em cruz sobre o peito,
E que te roam os vermes
Ó corpo branco e perfeito!
E sejas cheia de terra
Boca cheia de risadas,
Chora este amor que me aterra...
Pelas noutes estrelladas!...
1ª publ. in Athena, nº 4. Lisboa: Jan. 1925.
«Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
_A Vianna da Motta_
I
Quem por amôr se perdeu
Não chore, não tenha pena.
Uma das santas do céu
--É Maria Magdalena...
II
Minha mãe foi o que eu sou.
Eu sou o que tantas são.
Que triste herança te dou,
Filha do meu coração!
III
Meu pae foi para o degredo
Era eu inda pequena.
Se não morresse tão cedo,
Morria agora--de pena...
IV
E ha no mundo quem afronte
Uma mulher quando cae!
Nasce agua limpa na fonte,
Quem a suja é quem lá vae...
Moldada ao bem nasci, mas debil planta
Verguei de vicio ao sopro pestilente;
D'entre o vicio porém minha alma ardente
Castos hymnos a Deus saudosa canta.
Ah! se um mentido affecto amor levanta
N'um pobre coração inexperiente,
D'elles a culpa é toda! uma innocente
Não consulta a razão, razões supplanta.
Cahi, verguei, Senhor! já pervertida
Graças, beijos vendi, vendi belleza,
Triste commercio de mulher perdida.
Tenho-te muito amor,
E amas-me muito, creio;
Mas, ouve-me, receio
Tornar-te desgraçada.
O homem, minha amada!
Não perde nada, goza;
Mas a mulher é rosa...
Sim, a mulher é flôr!
Ora e, a flôr, vê tu
No que ella se resume...
Faltando-lhe o perfume,
Que é a essencia d'ella,
A mais viçosa e bella
Vê-a a gente e... basta.
Sê sempre, sempre, casta!
Terás... quanto possuo!