Geral

A MÁSCARA

_A Santos Tavares_

Por acaso, parou na minha frente,
De _loup_ e dóminó de seda negra,
Uma mulher d'olhar resplandecente
E mento breve de figura grega.

Tomei-lhe as mãos esguias entre as minhas...

E os seus olhos doirados reluziram
Como os punhaes ao sol, quando se tiram,
Aguçados e frios, das bainhas.

--Máscara, quem és tu?

--E tu quem és?...

--Um homem que te viu e te deseja...

E um riso vago, de desdem talvez,
Floriu na sua bocca de cereja.

MÃI E FILHO

    Primicias do meu amor!
    Meu filhinho! do meu seio
    Tenro fructo que á luz veio
    Como á luz da aurora a flôr!

    Na tua face, innocente,
    De teu pai a face beijo,
    E em teus olhos, filho, vejo
    Como Deus é providente.

    Via em lamina doirada
    O meu rosto todo o dia
    E a minha alma não se havia
    De vêr nunca retratada?

    Quando o pai me unia á face,
    E em seus braços me apertava,
    Pomba, ou anjo nos faltava
    Que ambos juntos abraçasse!

*Ca (ro) Da (ta) Ver (mibus)*

Memoria
A J. d'Oliveira Macedo,
Eduardo Coimbra, Antonio Fogaça.

Ás horas do crepusculo, ao _Bemdito_,
Quando a formoza Lua, a leiteirinha,
Vae dar o leite ás cazas do Infinito...

Ás horas das _Trindades_, á noitinha,
Quando ha milagres e sublimes couzas
E caza o rouxinol com a andorinha...

Quando a alma das virgens religiozas,
Triste se envolve n'um burel de magoa
E os anjos noivam mail-as suas Rozas...

*ANTES DE ABRIR A CARTEIRA*

Aqui leitor socegado!
Velho burguez d'outras eras!
Depõe o livro de lado;
--Não leias estas chimeras!

Não corras esta carteira
Meu velho amigo sem dentes!
Em quanto geme a chaleira
Sonha em teus mortos parentes!

Mas vós amigos dos sonhos
Doces mysticas violetas,
Castos selvagens tristonhos,
E solitarios poetas!...

Que amais as tristes paysaygens
E as cousas mysteriosas,
A longa chuva, as viagens,
E as melodias nervosas.

Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde dos Arcos...

_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde dos Arcos, sobre o
mesmo assumpto_.

CARTA.

Bateu aos vossos Portaes
Hum morador do outro Pólo;[29]
Veio ao Templo de Minerva
Dar hum recado de Apollo;

[Nota de rodapé 29: Morava muito distante.]

Vós sois dos seus obrigados,
Bebeis seu licôr divino;
Manda que lembreis na Roza[30]
O esquecido Tolentino;

[Nota de rodapé 30: Sitio, aonde morava o Ministro de Estado respectivo.]

UM GRÃO DE INCENSO

_A Lourenço Cayolla_

Entraste com ar cançado
Numa egreja fria e triste.
Ajoelhei-me ao teu lado
--E nem ao menos me viste...

Ficaste a rezar alli,
Naquella immensa tristeza.
Rezei tambem, mas a ti,
--Que aos anjos tambem se reza...

Ficaste a rezar até
Manhã dentro, manhã alta.
Como é que tens tanta fé
--E a caridade te falta?...

Foi-se-me pouco a pouco amortecendo

Cosi trapassa, al trapassar d'un giorno,
        Della vita mortale il fiore e 'l verde,
        Nè, perchè faccia indietro april ritorno
        Si rinfiora ella mai, nè si rinverde.

                                          TASSO.

    Foi-se-me pouco a pouco amortecendo
    A luz que n'esta vida me guiava,
    Olhos fitos na qual até contava
    Ir os degraus do tumulo descendo.

CATURRAS

    Ah! compadre, a gente foge,
    Desabelha com calor;
    Aqui faz fresco na loge,
    É onde se está melhor;
    Mas que calor que fez hoje!

    --Pois, olhe, assim eu me désse
    De inverno quando faz frio,
    Como agora que elle aquece.
    Tome dois banhos no rio,
    Logo vê como arrefece.

    --Compadre, nunca me traga
    Taes coisas á collação;
    Lembra-me a maldita draga,
    Compadre do coração!
    Não me falle n'essa praga!

Pages