Geral

*ANTES DE ABRIR A CARTEIRA*

Aqui leitor socegado!
Velho burguez d'outras eras!
Depõe o livro de lado;
--Não leias estas chimeras!

Não corras esta carteira
Meu velho amigo sem dentes!
Em quanto geme a chaleira
Sonha em teus mortos parentes!

Mas vós amigos dos sonhos
Doces mysticas violetas,
Castos selvagens tristonhos,
E solitarios poetas!...

Que amais as tristes paysaygens
E as cousas mysteriosas,
A longa chuva, as viagens,
E as melodias nervosas.

Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde dos Arcos...

_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde dos Arcos, sobre o
mesmo assumpto_.

CARTA.

Bateu aos vossos Portaes
Hum morador do outro Pólo;[29]
Veio ao Templo de Minerva
Dar hum recado de Apollo;

[Nota de rodapé 29: Morava muito distante.]

Vós sois dos seus obrigados,
Bebeis seu licôr divino;
Manda que lembreis na Roza[30]
O esquecido Tolentino;

[Nota de rodapé 30: Sitio, aonde morava o Ministro de Estado respectivo.]

UM GRÃO DE INCENSO

_A Lourenço Cayolla_

Entraste com ar cançado
Numa egreja fria e triste.
Ajoelhei-me ao teu lado
--E nem ao menos me viste...

Ficaste a rezar alli,
Naquella immensa tristeza.
Rezei tambem, mas a ti,
--Que aos anjos tambem se reza...

Ficaste a rezar até
Manhã dentro, manhã alta.
Como é que tens tanta fé
--E a caridade te falta?...

Foi-se-me pouco a pouco amortecendo

Cosi trapassa, al trapassar d'un giorno,
        Della vita mortale il fiore e 'l verde,
        Nè, perchè faccia indietro april ritorno
        Si rinfiora ella mai, nè si rinverde.

                                          TASSO.

    Foi-se-me pouco a pouco amortecendo
    A luz que n'esta vida me guiava,
    Olhos fitos na qual até contava
    Ir os degraus do tumulo descendo.

CATURRAS

    Ah! compadre, a gente foge,
    Desabelha com calor;
    Aqui faz fresco na loge,
    É onde se está melhor;
    Mas que calor que fez hoje!

    --Pois, olhe, assim eu me désse
    De inverno quando faz frio,
    Como agora que elle aquece.
    Tome dois banhos no rio,
    Logo vê como arrefece.

    --Compadre, nunca me traga
    Taes coisas á collação;
    Lembra-me a maldita draga,
    Compadre do coração!
    Não me falle n'essa praga!

*O Meu Cachimbo*

Ó meu cachimbo! Amo-te immenso!
Tu, meu thuribudo sagrado!
Com que, bom Abbade, incenso
A Abbadia do meu passado.

Fumo? E occorre-me á lembrança
Todo esse tempo que lá vae,
Quando fumava, ainda criança,
Ás escondidas do meu Pae.

Vejo passar a minha vida,
Como n'um grande cosmorama:
Homem feito, pallida Ermida,
Infante, pela mão da ama...

Por alta noite, ás horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para fallar comtigo a sós.

*A Sombra*

Não tarda a sombra, ahi. Vae alto o Sete-Estrello
    São horas d'ella vir. Minha alma, attende!
    Que já a lua, a sentinella, rende
Na esplanada do céu, ás portas do Castello...

Oiço um rumor: talvez... Eil-a, é ella: ao longe, avisto
    Seu vulto em flor: postas as mãos no seio,
    Com o cabello separado ao meio,
Todo caido para traz, como o de Christo!

*MADRIGAL DA RUA*

Ó irmã das açucenas!
Meu coração é um horto,
Semeado de mais penas
Que as chagas d'um Christo morto.

Tanto é ver-te o meu desejo!
Tanto em mim poder conservas!
Que eu creio se não te vejo
Já ser debaixo das hervas!

..........................................

Debaixo d'essas janellas
Sempre crueis e fechadas,
Hontem á noute, ás estrellas,
Deram-me quatro facadas!

Mas nenhuma fez no peito
O mal,--que por minha cruz!
Os teus olhos me tem feito
Dando facadas de luz!

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