Geral

A COSTUREIRA, E O PINTASILGO MORTO. (_Lamartine_).

Tu cujas azas tremulas
      O meu olhar tornava;
      Cujo trinado harmonico
      Meus dias alegrava,
      Ai, já não ouves!--Chamo-te,
      E é vão este chamar!
      Chegou a estação gelida;
      Foi para te matar.

Nunca me has-de esquecer! Por bem seis annos,
      Companheira leal
      Tu me foste, avesinha;
Meiga entre as meigas, desprezando os campos,
Deslembrada da mãe, que, á noite, aninha
      No movel cannavial.

A VICTORIA COLONNA

Não sei que ha de divino, força é crêl-o
    N'esses teus olhos d'uma luz tão pura
    Que, ao vêl-os, tive logo por segura
    Aquella paz que é meu constante anhelo.

    Filha de Deus, nossa alma aspira a vêl-o;
    Desprezando caduca formosura,
    Ella, em seu giro eterno, só procura
    A fórma, o typo universal do bello.

    Não póde amar, não deve, uma alma casta
    Fugaz belleza, graça transitoria,
    Coisa que o tempo leva, o tempo gasta.

*MADRIGAL FUNEBRE*

Na mortalha alheia não temos mais que fazer
     Bernardim Ribeiro.

     To die to sleep.
     (Shakspeare)

A ti que os meus ais resumes
Estas quadras dolorosas,
Corpo inundado em perfumes,
E de pomadas cheirosas:

..........................................
..........................................

A mim custa-me a morrer,
--Não por que esta vida valha;
Mas porque sei que heide ter
Teu coração por mortalha.

Apparição- Á VIRGEM SANTISSIMA

    Pelas espadas que tu tens no peito,
    Pelos teus olhos rôxos de chorar,
    Pelo manto que trazes de astros feito,
    Por esse modo tão lindo de andar;

    Por essa graça e esse suave geito,
    Pelo sorriso (que é de sol e luar)
    Por te ouvir assim sobre o meu leito,
    Por essa voz, baixinho: «Ha-de sarar...»

    Por tantas bençãos que eu sinto n'alma,
    Quando chegando vens, assim tão calma,
    Pela cinta que trazes, côr dos ceus:

DE PROFUNDIS CLAMAVI AD TE DOMINE

_Á Leo_

Ao charco mais escuso e mais immundo
Chega uma hora no correr do dia
Em que um raio de sol, claro e jocundo,
O visita, o alegra, o alumía;

Pois eu, nesta desgraça em que me afundo,
Nesta contínua e intérmina agonia,
Nem tenho uma hora só dessa alegria
Que chega ás coisas infimas do mundo!...

Deus meu, acaso a roda do destino
A movimentam vossas mãos leaes
Num aceno impulsivo e repentino,

ADEUS!

    Adeus tranças côr de oiro,
    Adeus peito côr de neve!
    Adeus cofre onde estar deve
    Escondido o meu thesoiro!

    Adeus bonina, adeus lirio
    Do meu exilio d'abrolhos!
    Adeus oh luz dos meus olhos
    E meu tão dôce martyrio!

    Desfeito sonho doirado,
    Nuvem desfeita de incenso,
    Em quem dormindo só penso,
    Em quem só penso acordado!

    Visão sim mas visão linda!
    Sonho meu desvanecido!
    Meu paraiso perdido
    Que de longe adoro ainda!

Pages