No entardecer dos dias de Verão, às vezes
Autor: Alberto Caeiro on Tuesday, 18 December 2012
No entardecer dos dias de Verão, às vezes,
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa...
No entardecer dos dias de Verão, às vezes,
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa...
_Ao Conego Manuel do Nascimento Simão_
I
Escrevo em testamento este poema
Que elle tenha, na angustia com que o ligo,
O brilho rutilante duma gemma
Achada nos farrapos dum mendigo...
Ao vesperal crepusculo da vida
E sob o olhar da morte é que o componho;
Erguendo assim, por minha despedida,
O ultimo escalão dum alto sonho.
Nesse degrau que d'entre os soes dispersos
Hade attingir a cúpula dos céus,
Direi ao mundo os derradeiros versos,
Porei o coração nas mãos de Deus!
O João dorme... (Ó Maria,
Dize áquella cotovia
Que falle mais devagar:
Não vá o João, acordar...)
Tem só um palmo de altura
E nem meio de largura:
Para o amigo orangotango
O João seria... um morango!
Podia engulil-o um leão
Quando nasce! As pombas são
Um poucochinho maiores...
Mas os astros são menores!
Se ao enlaçal-a no peito
Me cahe desfeita uma flôr,
Lembras-me, sonho desfeito!
Sonho d'amor!
Se a borboleta do calix
D'um lirio aos ares se ergueu,
Lembras-me, estrella dos valles!
Lirio do céo!
Se inda um affecto em mim vive
Entre os que mortos possuo,
Lembras-me, sonho que eu tive!
Lembras-me tu!
Coimbra.
Cette ville est au bord de l'eau; on dit qu'elle este batie en
marbre...
(Baudelaire)
De certo, capital alguma n'este mundo
Tem mais alegre sol e o ceu mais cavo e fundo,
Mais collinas azues, rio d'aguas mais mansas,
Mais tristes procissões, mais pallidas creanças,
Mais graves cathedraes--e ruas, onde a esteira
Seja em tardes d'estio a flor de larangeira!
Escrito em 1-10-1917.
No dia brancamente nublado entristeço quase a medo
E ponho-me a meditar nos problemas que finjo...
_A Antonio Arroyo_
«Sonhar a vida é apenas entretel-a.
Partamos della para nós, senão
Lá vae o coração para uma estrella
E fica a gente sem o coração!»
_GUEDES TEIXEIRA_. _Esperança Nossa_
Quem vir--como eu os vejo--decorrer
Annos e annos duma vida rasa
Em miseraveis quartos d'aluguer,
Frios no inverno e no estío em braza,
--A um amôr sonhado de mulher
Allía sempre o sonho duma casa...
O aspecto duma casa raro mente,
A côr, as linhas duma frontaria
Dão logo a perceber nitidamente,
Ó grandes olhos outomnaes! mysticas luzes!
Mais tristes do que o amor, solemnes como as cruzes!
Ó olhos pretos! olhos pretos! olhos cor
Da capa d'Hamlet, das gangrenas do Senhor!
Ó olhos negros como noites, como poços!
Ó fontes de luar, n'um corpo todo ossos!
Ó puros como o céu! ó tristes como levas
De degredados!
Ó Quarta-feira de Trevas!
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Deixal-o: os olhos fecho á luz e quero...
Quero-te, oh sonho, se és doirado e lindo:
Mais que a teus fachos, pedagogo austero!
Que me condemnas em chorando e rindo.
Sempre olhos fundos, sempre esse ar severo...
Razão! não te amo; mas a ti, bemvindo,
Tu que os conselhos nunca, amor! lhe tomas;
Dás luz á lua, dás á rosa aromas.