Noite de São João
Autor: Alberto Caeiro on Wednesday, 19 December 2012
Noite de S. João para além do muro do meu quintal.
Do lado de cá, eu sem noite de S. João.
Porque há S. João onde o festejam.
Noite de S. João para além do muro do meu quintal.
Do lado de cá, eu sem noite de S. João.
Porque há S. João onde o festejam.
_A L.C._
Num andamento
Discreto, lento,
Mal se ouve o pêndulo lavrado e antigo.
Vamos vogando
No lago brando
E sem limites do silencio amigo...
O ultimo e cavo
Accorde do cravo
Ficou vibrando exclamativamente.
E, em espiral
Ascencional,
Cingiu-nos num abraço enlanguescente.
Na alcatifa macia
Entrou na agonia
Uma rosa sedenta e abandonada,
O dinheiro é tão bonito,
Tão bonito, o maganão!
Tem tanta graça o maldito,
Tem tanto chiste o ladrão!
O fallar, falla d'um modo...
Todo elle, aquelle todo...
E ellas acham-no tão guapo...
Velhinha ou moça que veja,
Por mais esquiva que seja,
_Tlim!_
Papo.
Nunca me ha-de esquecer (ingrata! escuta)
Não tendo eu mais talvez que os meus dez annos
Esses olhos crueis, esses tyrannos
Commigo em porfiada aberta lucta.
Se eu fôra voraz lobo ou fera bruta
D'entranhas más, instinctos deshumanos,
Talvez o fructo então de teus enganos
O não colhesses tu de face enxuta.
Mas eu perdôo-te o mal que me has causado;
A culpa não é tua e só devia
Vingar-me em quem tão bella te ha formado.
É no fim do jantar. Deram tres horas
No bom relogio antigo dos avós,
E o senhor Gloria pega n'uma noz
Com um ar de quem trata com senhoras.
A casa de jantar toda pintada
E o estuque cheio d'aves, de paysagens,
De nymphas, prados, d'aguas, de boscagens,
Tem uma forma antiga e recatada.
D'involta com seus goles de Madeira
A senhora digere o seu café;
E ao lado, um filho rubido de pé
Parece um pregador sobre a cadeira.
As tuas fulas mãoszinhas,
Que a fome já não descarna,
E que de crearem sarna
Passão a crear gallinhas;
Acceitem creações minhas,
Que eu a outros fins guardava;
Senhora com côr de escrava,
Alta estrella, que em ti brilha,
Manda que se dê á Filha
Aquillo que o Pai furtava.
Debalde as penas, e os gostos
Disfarçais, loucos Amantes,
Se os attentos circumstantes
Tem em vós os olhos postos;
De que servem falsos rostos,
Se o coração desmente
N'um instante infelizmente
Sabe perdido o longo estudo,
Pois vem destruir-vos tudo
Hum suspiro de repente.
No entardecer dos dias de Verão, às vezes,
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa...
_Ao Conego Manuel do Nascimento Simão_
I
Escrevo em testamento este poema
Que elle tenha, na angustia com que o ligo,
O brilho rutilante duma gemma
Achada nos farrapos dum mendigo...
Ao vesperal crepusculo da vida
E sob o olhar da morte é que o componho;
Erguendo assim, por minha despedida,
O ultimo escalão dum alto sonho.
Nesse degrau que d'entre os soes dispersos
Hade attingir a cúpula dos céus,
Direi ao mundo os derradeiros versos,
Porei o coração nas mãos de Deus!