Geral

*Bric-à-brac*

      O dono miseravel da locanda
      O _brocanteur_ terrivel, sanguinario
      Agonisa n'um catre solitario
      D'uma alcova minuscula, execranda.

      Affinca as mãos convulso n'um rosario,
      Ao ceu a vida, supplice, demanda,
      N'uma imagem de Christo veneranda
      Crava os olhos de abutre, de corsario.

      Pois apesar das lagrimas-remorsos
      Das victimas do seu medonho trama
      Ruins phantasmas de lividos escorços.

A uns annos

Se eu fosse rei, Senhora, n'este dia
O pagem mais gentil da minha côrte,
Como tributo d'amisade, iria
A esses pés miniaturaes depôr-te

Um brinde sem rival, d'alta valia;
Mas sabes bem que não sou rei. De sorte
Que não pode ir, como eu desejaria,
O pagem mais gentil da minha côrte

Offerendar-te joias de valia.
Em vez do brinde, mando todavia
Um ramo de lilazes e cecens.

E pelo pagem loiro, alvinitente,
Mando, Senhora minha, unicamente
Este soneto a dar-te os parabens.

Por esta solidão, que não consente

Por esta solidão, que não consente
Nem do sol, nem da lua a claridade,
Ralado o peito pela saudade
Dou mil gemidos a Marília ausente:

De seus crimes a mancha inda recente
Lava Amor, e triunfa da verdade;
A beleza, apesar da falsidade,
Me ocupa o coração, me ocupa a mente:

Lembram-me aqueles olhos tentadores,
Aquelas mãos, aquele riso, aquela
Boca suave, que respira amores...

OS NOVOS LEVIATHÃS

Dos antigos Titães, o mar,--fera indomavel,
Agora verga o dorso ao peso colossal
Dos novos leviathãs que em bando formidavel,
Nas grandes explosões da colera insondavel,
Já levam de vencida o abysmo e o vendaval!

Elles seguem no mar, altivos no seu rumo,
Em halitos de fogo, á nossa voz fieis,
E como o combatente erguendo a lança a prumo,
Era turbilhões rompendo, as flamulas de fumo
Ostentam sem cessar correndo entre os parceis!

O SECCAR DAS FOLHAS. (_Millevoye_).

Das ruinas destes bosques
O outomno alastrou o chão:
A selva perdeu seus mimos;
Os rouxinoes mudos são.

No bosque, amigo da infancia,
Triste um joven vagueiava;
Na sua aurora a doença
Para o sepulchro o inclinava.

«Adeus floresta querida!
Vestes lucto por meu fim?
Como te cai folha e folha
A morte me segue assim.

Intima voz, que revela
Seu fado extremo aos mortaes,
Me diz:--vês cahir as folhas?
São essas só: não ha mais!

*CAIN*

Cain no mundo errante, desterrado,
Fugindo á sua dôr cruenta e dura,
Morria sobre um valle, abandonado,
No sollo primitivo da Escriptura.--

O remorso--esse mal que não tem cura--
Não abatia o peito allucinado
Do que nasceu no seio do Peccado
Que herdou depois a géração futura.

Do Ceu sem mendigar luz nem consollo
Conservava inda erguido e altivo o collo;--
Mas nessa hora fatal que a todos vem...

A Inegualável

Ai, como eu te queria toda de violetas
E flébil de setim...
Teus dedos longos, de marfim,
Que os sombreassem joias pretas...

E tão febril e delicada
Que não podesses dar um passo -
Sonhando estrelas, transtornada,
Com estampas de côr no regaço...

Queria-te nua e friorenta,
Aconchegando-te em zibelinas -
Sonolenta,
Ruiva de éteres e morfinas...

Ah! que as tuas nostalgias fôssem guisos de prata -
Teus frenesis, lantejoulas;
E os ócios em que estiolas,
Luar que se desbarata...

LUZ DA FÉ

Tu, sol! já não me alegras
    Como alegravas, não:
    Vós, sim, ó nuvens negras,
    Relampago e trovão!

    Quando o trovão me aterra,
    Recordo-me de Deus;
    Abalo cá da terra
    E vou por esses céos:

    E lá n'essas alturas,
    Por onde só a fé,
    Em regiões tão puras,
    Nos deixa tomar pé;

    Voar, pairar nos ares
    Como uma aguia cá,
    De lá só vejo os mares,
    E é porque a luz lhes dá.

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