Geral

*Testamento*

      Lego uma trança do cabello d'ella
      Para atar um cavallo á mangedoura
      E as cartas da flacida impostora
      Para embrulhar assucar e canella.

      Ao credulo rival, deixo, leitora,
      A licença de entrar pela janella;
      Outrosim deixo as ligas e a fivela
      Que cingiram a perna encantadora:

      Os beijos que me deu ficam comigo
      E a memoria das noites palpitantes
      Hade caber tambem no meu jazigo.

Aldeã

Podem dizer talvez que ella não tem
As fórmas peregrinas, delicadas,
Das cortezãs de peito de cecem
Que vão á noite aos bailes, decotadas.

Podem dizer talvez, e dizem bem,
Que ás suas faces tumidas, rosadas,
Falta a côr macilenta que convém
Ás virgens dos sonetos e balladas.

Á elegancia doente e vaporosa
Eu prefiro, comtudo, a fórma airosa
Do seu corpo gentil de mulher sã;

Por isso adoro e préso mais que tudo
Os seus olhos dolentes de velludo,
Os seus labios vermelhos de romã.

A Minha Piedade

A Bourbon e Meneses

Tenho pena de tudo quanto lida
Neste mundo, de tudo quanto sente,
Daquele a quem mentiram, de quem mente,
Dos que andam pés descalços pela vida,

Da rocha altiva, sobre o monte erguida,
Olhando os céus ignotos frente a frente,
Dos que não são iguais à outra gente,
E dos que se ensangüentam na subida!

Tenho pena de mim... pena de ti...
De não beijar o riso duma estrela...
Pena dessa má hora em que nasci...

Oh retrato da morte, oh noite amiga

Oh retrato da morte, oh noite amiga
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha do meu pranto,
Des meus desgostos secretária antiga!

Pois manda Amor, que a ti somente os diga,
Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel, que a delirar me obriga:

E vós, oh cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!

OS PALHAÇOS

Heroes da gargalhada, ó nobres saltimbancos,
Eu gosto do vossês,
Por que amo as expansões dos grandes rizos francos
E os gestos d'entremez,

E prezo, sobretudo, as grandes ironias
Das farças joviaes,
Que em visagens crueis, imperturbaveis, frias,
Á turba arremeçaes!

Alegres histriões dos circos e das praças,
Oh, sim, gosto de os ver
Nas grandes contorsões, a rir, a dizer graças
Do povo enlouquecer,

N'UM ALBUM.

Quando o Senhor envia
O trovador ao mundo,
Faz devorar a essa alma
Fel amargoso e immundo;

Porque lhe diz:--Poeta,
Vai conhecer a terra;
Prova dos seus deleites;
Prova do mal que encerra.

Desses e deste esgota
As taças muitas vezes,
Embora de uma e d'outra
Aches no fundo fézes:

E quando bem souberes
Que tudo é sonho vão;
Que é nada a dor e o goso,
Sólta o teu hymno então.»

Archanjo vae-te embora

Archanjo vae-te embora: é tarde: em nossas casas
Talvez alguem se afflija; é tão deserta a rua!...
Tu deves sentir frio! Embuça-te nas asas;
Dá saudades á lua.

Um beijo em cada estrella!... Espera que eu sou louco!
Sonhei devo pagar: perdão anjo dos céos!
Agora tem cuidado; o céo escorrega um pouco:
Boas noites adeus!

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