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O MENDIGO.

I.

O sol passa nos céus:--sob o carvalho,
Por cujos troncos se pendura a vide,
        Cego ancião,
Mirrada dextra supplice estendendo,
Ao passageiro, que o despreza, implora
        Do opprobrio o pão.

Ninguem o escuta, o dia foge, e a noite
Involve a luz no manto impenetravel:
        E elle chorou:
E em seus andrajos para choça alpestre,
Sem se queixar de Deus, tardios passos
        Encaminhou:

A ROSA.

Pura em sua innocencia.
      Entre a sarça espinhosa,
Purpurea esplende, inda botão intacto,
      Na madrugada a rosa.

      É da campina a virgem
      A pudibunda flor;
Em seus efluvios matutina brisa
      Bebe o primeiro amor.

      O sol inunda as veigas:
      Calou-se o rouxinol;
E a flor, ebria de gloria, á luz fervente,
      Desabrochou-a o sol.

      O sôpro matutino
      No seio seu pousára:
Prostituida á luz, fugiu-lhe a brisa,
      Que a linda rosa amára.

ANTIGO THEMA

Passae larvas gentis na rua da cidade
Aonde se atropella a turba folgazã;
A noite é um tanto agreste e cheia d'humidade
Mas o tedio mortal precisa a claridade
Que em vosso olhar trazeis, vizões do macadam!

Estatuas sem calor! vós sois das grandes vazas
D'um corrompido mar as Deusas menos vis!
Se á noite abandonaes, voando, as pobres casas,
E vindes pela rua enlamear as azas,
Quem sabe a fome occulta, as sedes que sentis!

A MINHA MÃI

    Patria! berço d'amor, que a alma embala
    Em quanto a luz vital nos illumina,
    E onde só descançado se reclina
    Quem, longe d'ella, dôr contínua rala...

    Se n'essa essencia, mãi! que a flôr exhala
    Na essencia d'uma flôr d'essa collina,
    Vês lagrimas d'amor que dentro a mina,
    Com saudades de quem do céo lhe falla:

    Se quando, o céo buscando, o fumo ondeia,
    Quando esse valle o sol deixa indeciso,
    Vês como fumo e flôr aspira, anceia

*Para As Raparigas de Coimbra*

1

Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós:
És tal qual meu avôzinho,
Falta-te apenas a voz.

2

Minha capa vos acoite
Que é p'ra vos agazalhar:
Se por fóra é cor da noite,
Por dentro é cor do luar...

3

Ó sinos de _Santa Clara_,
Por quem dobraes, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!

4

A sereia é muito arisca,
Pescador, que estás ao sol:
Não cae, tolinho, a essa isca...
Só pondo uma flor no anzol!

*No theatro anatomico*

      Sobre a meza de marmore luxuosa
      Descança scintillante formosura
      D'uma creança esbelta, uma pintura,
      Que parece dormir silenciosa.

      As alvas rômas, que a virtude espósa
      São como alegre ninho de candura;
      Tão fresca, tão sentida e melindrosa,
      Causa pena entregal-a á sepultura.

      Os estudantes em prodiga algarvia
      Retalhando o cadaver delicado
      Jogam chufas de sordida alegria.

Á ARVORE

Quando contemplo em paz teu nobre vulto
      Erguido aos ceus: envolto em verde manto,
      Supponho contemplar um justo,... um santo,...
      Um pae,... um Deus,... algum mysterio occulto!...

      Ha não sei bem que força em mim tão forte,
      Não sei que grande instincto inabalavel
      A levar para quanto é bello e estavel
      Esta alma, para quem só Deus é norte,

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