Combate
Autor: Augusto Gil on Tuesday, 4 December 2012Fazer versos delirantes
Ao teu frio coração
É como engastar diamantes
N'um ad'reço de latão;
Fazer versos delirantes
Ao teu frio coração
É como engastar diamantes
N'um ad'reço de latão;
D'aquelle de quem falo, as socegadas lousas
Podiam-vos contar as violações brutaes!
A gula com que morde as mais sagradas cousas
D'horror faz recuar os trémulos chacaes.
Não descanta á viola, á noite, os seus enleios:
Elle vive na sombra e eu sei também que vós,
Gentis bellezas d'hoje, ó astros dos Passeios,
Lhe não lançaes, a furto, a escada de retroz.
Estou doente. Meus pensamentos começam a estar confusos
Mas o meu corpo, tirado às cousas, entra nelas.
E uma grande libertação começa a fazer-se em mim,
Esta tarde a trovoada caiu
Pelas encostas do céu abaixo
Como um pedregulho enorme...
Num sonho d'Iris, morto a ouro e brasa,
Vem-me lembranças doutro Tempo azul
Que me oscilava entre véus de tule -
Um tempo esguio e leve, um tempo-Asa.
Então os meus sentidos eram côres,
Nasciam num jardim as minhas ansias,
Havia na minh'alma Outras distancias -
Distancias que o segui-las era flôres...
Caía Ouro se pensava Estrelas,
O luar batia sobre o meu alhear-me...
Noites-lagôas, como éreis belas
Sob terraços-liz de recordar-me!...
Nunca cessamos de peccar
(Imitação de Christo)
I
*Ubique doemon*
Bem sei... e mais que o sei, claro luar!
Que segundo a severa theologia,
Pelas noutes sonoras de poesia
O aroma dos lyrios faz peccar!
Quem vos diría!... madresilvas, mar,
Lilazes, claros rios, cotovia!
Que ao dizer da tirannica theoria,
Vós farieis a Carne triumphar!
Ah! Natureza, pois, se és criminosa,
E nos levam ao mal urnas da rosa,
Bom coração de Christo imaculado!...
Oh que formosos dias, Margarida!
Esses da tua vida;
E que nublados
Meus dias desgraçados!
Nasci tambem assim risonho e meigo,
Mas hoje apenas chego
O calix da ventura
Á bocca ancioso,
Torna-se a agua impura
E o liquido que bebo
Venenoso,
Sim, venenoso o liquido que bebo.
Meu coração, não batas, pára!
Meu coração, vae-te deitar!
A nossa dor, bem sei, é amara,
A nossa dor, bem sei, é amara...
Meu coração, vamos sonhar...
Ao mundo vim, mas enganado.
Sinto-me farto de viver:
Vi o que elle era, estou massado,
Vi o que elle era, estou massado...
Não batas mais! vamos morrer...
Bati á porta da Ventura
Ninguem m'à abriu, bati em vão:
Vamos a ver se a sepultura,
Vamos a ver se a sepultura
Nos faz o mesmo, coração!
Adeus, Planeta! adeus, ó Lama!
--Dá-me esse jasmim de cera,
Minha flôr?
--Mas e depois se lh'o dera,
Meu senhor?
--Depois? era uma lembrança.
--Mas de quê?
--D'uma tão linda criança,
Já se vê.
--Oh tão linda! Mas, parece,
Sendo assim,
Que inda quando lhe não désse
Tal jasmim...
--Não me esquecia, de certo.
--Nunca já?
--Nunca.--Nunca, é muito incerto,
Mas... vá lá.
Maria! vêr-te á porta a fazer meia,
Olhando para mim de vez em quando,
É o que n'esta vida me recreia.
Acordo até de noite suspirando
Por que rompa a manhã e tenha o gosto
De te vêr já tão cedo trabalhando.
Desde pela manhã até sol-posto
Que não tens de descanço um só momento;
Por isso tens tão bella côr de rosto.
E eu pallido, Maria! O pensamento
Não é trabalho que nos dê saude,
Esta imaginação é um tormento.