Esta tarde a trovoada caiu
Autor: Alberto Caeiro on Tuesday, 4 December 2012
Esta tarde a trovoada caiu
Pelas encostas do céu abaixo
Como um pedregulho enorme...
Esta tarde a trovoada caiu
Pelas encostas do céu abaixo
Como um pedregulho enorme...
Num sonho d'Iris, morto a ouro e brasa,
Vem-me lembranças doutro Tempo azul
Que me oscilava entre véus de tule -
Um tempo esguio e leve, um tempo-Asa.
Então os meus sentidos eram côres,
Nasciam num jardim as minhas ansias,
Havia na minh'alma Outras distancias -
Distancias que o segui-las era flôres...
Caía Ouro se pensava Estrelas,
O luar batia sobre o meu alhear-me...
Noites-lagôas, como éreis belas
Sob terraços-liz de recordar-me!...
Nunca cessamos de peccar
(Imitação de Christo)
I
*Ubique doemon*
Bem sei... e mais que o sei, claro luar!
Que segundo a severa theologia,
Pelas noutes sonoras de poesia
O aroma dos lyrios faz peccar!
Quem vos diría!... madresilvas, mar,
Lilazes, claros rios, cotovia!
Que ao dizer da tirannica theoria,
Vós farieis a Carne triumphar!
Ah! Natureza, pois, se és criminosa,
E nos levam ao mal urnas da rosa,
Bom coração de Christo imaculado!...
Oh que formosos dias, Margarida!
Esses da tua vida;
E que nublados
Meus dias desgraçados!
Nasci tambem assim risonho e meigo,
Mas hoje apenas chego
O calix da ventura
Á bocca ancioso,
Torna-se a agua impura
E o liquido que bebo
Venenoso,
Sim, venenoso o liquido que bebo.
Meu coração, não batas, pára!
Meu coração, vae-te deitar!
A nossa dor, bem sei, é amara,
A nossa dor, bem sei, é amara...
Meu coração, vamos sonhar...
Ao mundo vim, mas enganado.
Sinto-me farto de viver:
Vi o que elle era, estou massado,
Vi o que elle era, estou massado...
Não batas mais! vamos morrer...
Bati á porta da Ventura
Ninguem m'à abriu, bati em vão:
Vamos a ver se a sepultura,
Vamos a ver se a sepultura
Nos faz o mesmo, coração!
Adeus, Planeta! adeus, ó Lama!
--Dá-me esse jasmim de cera,
Minha flôr?
--Mas e depois se lh'o dera,
Meu senhor?
--Depois? era uma lembrança.
--Mas de quê?
--D'uma tão linda criança,
Já se vê.
--Oh tão linda! Mas, parece,
Sendo assim,
Que inda quando lhe não désse
Tal jasmim...
--Não me esquecia, de certo.
--Nunca já?
--Nunca.--Nunca, é muito incerto,
Mas... vá lá.
Maria! vêr-te á porta a fazer meia,
Olhando para mim de vez em quando,
É o que n'esta vida me recreia.
Acordo até de noite suspirando
Por que rompa a manhã e tenha o gosto
De te vêr já tão cedo trabalhando.
Desde pela manhã até sol-posto
Que não tens de descanço um só momento;
Por isso tens tão bella côr de rosto.
E eu pallido, Maria! O pensamento
Não é trabalho que nos dê saude,
Esta imaginação é um tormento.
A rara benignidade,
Que quiz o Ceo conceder-vos,
Permitta que de escrever-vos,
Tome eu hoje a liberdade;
Pois tendes tanta bondade,
Peço, nella confiado,
Que por mim ajoelhado,
E na bocca o coração,
Beijeis ao Principe a mão,
E lhe deis este recado.
Minha Marilia,
Se tens belleza,
Da natureza
He hum favor.
Mas se aos vindouros
Teu nome passa,
He só por graça
Do Deos de amor,
Que terno inflamma
A mente, o peito
Do teu Pastor.
Em vão se virão
Perlas mimosas,
Jasmins, e rosas
No rosto teu.
Em vão terias
Essas estrellas,
E as tranças bellas
Que o Ceo te dêo;
Se em doce verso
Não as cantasse
O bom Dirceo.
Junto a huma clara fonte
A mãi de Amor se sentou:
Encostou na mão o rosto,
No leve somno pegou.
Cupido, que a vio de longe,
Contente ao lugar corrêo;
Cuidando que era Marilia
Na face hum beijo lhe dêo.
Acorda Venus irada:
Amor a conhece; e então
Da ousadia, que teve,
Assim lhe pede o perdão:
_Foi facil, ó Mãe formosa,
Foi facil o engano meu;
Que o semblante de Marilia
He todo o semblante teu_.