Geral

NO LEITO NUPCIAL

    Dorme, estatua de neve,
    Vergontea de marfim!
    Tocar que impio se atreve
    No que é sagrado assim?

    Dois são: o mais, mysterio
    Vedado á terra. Deus
    Talvez do solio ethereo
    Nem baixe os olhos seus.

    Respeita-os, tapa-os, como
    Japhet e Sem, o pai...
    Pende, sagrado pomo!
    A vista ergue-se e cai.

    Ergue-se e cai, conforme
    A lei, que o manda assim.
    Ergue-se e... Dorme, dorme,
    Vergontea de marfim!

*Carta a Manoel*

Manoel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.
Mas não foi Anto, não fui eu quem teve a culpa,
Foi Coimbra. Foi esta paysagem triste, triste,
A cuja influencia a minha alma não reziste,
Queres noticias? Queres que os meus nervos fallem?
Vá! dize aos choupos do Mondego que se callem...
E pede ao vento que não uive e gema tanto:
Que, emfim, se soffre abafe as torturas em pranto,
Mas que me deixe em paz! Ah tu não imaginas
Quanto isto me faz mal! Peor que as sabbatinas
Dos _ursos_ na aula, peor que beatas correrias

LYRA XXXII.

N'uma noite socegado
Velhos papeis revolvia,
E por ver de que tratavão
Hum por hum a todos lia.

  Erão copias emendadas
De quantos versos melhores
Eu compuz na tenra idade
A meus diversos amores.

  Aqui leio justas queixas
Contra a ventura formadas,
Leio excessos mal acceitos,
Doces promessas quebradas.

  Vendo sem razões tamanhas
Eu exclamo transportado:
_Que finezas tão mal feitas!
Que tempo tão mal passado_!

*Cavatina*

(Palavras ditas entre bastidores a uma corista)

      Tenho ideias com-_fusas_ e geladas
      Sobre a _escala_ do amor onde resplende
      _Lá_ n'esse vivo _sol_, que mais se accende
      _Rallentando_ as promessas calculadas.

      A _gamma_ dos suspiros não attende,
      É de mau _tom_ possuir lindas manadas
      D'amantes, que se _afinam_ nas ciladas
      Das _pausas_, que o desejo não entende.

Canto dos Espíritos sobre as Águas

A alma do homem
É como a água:
Do céu vem,
Ao céu sobe,
E de novo tem
Que descer à terra,
Em mudança eterna.

Corre do alto
Rochedo a pino
O veio puro,
Então em belo
Pó de ondas de névoa
Desce à rocha liza,
E acolhido de manso
Vai, tudo velando,
Em baixo murmúrio,
Lá para as profundas.

Erguem-se penhascos
De encontro à queda,
— Vai, 'spúmando em raiva,
Degrau em degrau
Para o abismo.

ÁS FLORES

Eu venho-vos cantar, mimosas flôres,
      A vós irmãs da luz, gentis e bellas,
      Do chão que piso vívidas estrellas,
      Com mil perfumes, mil viçosas côres!

      Á vossa encantadora companhia,
      Toda cheia de graça e de candura,
      Eu devo em parte a luz serena e pura
      Do amor, que meu espirito allumia!...

      Cercando-me dos vossos esplendores,
      Nos quaes eu pasto dia e noite a vista,
      Consigo converter meu lar d'artista
      N'um Louvre de riquissimos lavores

ÁS NUVENS

Vapores que em vistosos cortinados
      Armaes dos ceus o templo de safira
      Com purpura e finissimos broxados,
      Sêde hoje o assumpto para a vóz da lyra!

      Que eu quero ter a intima certeza
      Que, antes da hora da fatal partida,
      A minha alma no mundo fica preza
      Ás coisas bellas que adorei na vida...

      Horas felizes que ainda hoje eu passo,
      Pelas tardes calmosas do verão,
      Seguindo-as uma a uma pelo espaço,
      Dizei ás nuvens se eu as amo ou não!...

Minha Terra

A. J. Emídio Amaro

Ó minha terra na planície rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viu o mar
Onde tenho o meu pão e a minha casa...

Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folha... a dormitar...
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra mourisca a arder em brasa!

Minha terra onde meu irmão nasceu...
Aonde a mãe que eu tive e que morreu,
Foi moça e loira, amou e foi amada...

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