Eu nunca guardei rebanhos
Autor: Alberto Caeiro on Wednesday, 5 December 2012
Eu nunca guardei rebanhos,
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
Eu nunca guardei rebanhos,
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
A horas flébeis, outonais -
Por magoados fins de dia -
A minha Alma é água fria
Em ânforas d'Ouro... entre cristais...
Mário de Sá-Carneiro, in 'Indícios de Oiro'
Achado nos seus papeis
Bem sei que hei de morrer cedo e cansado,
Alguma cousa triste em mim o diz,
E vagarei no mundo desterrado,
Como Dante chorando a Beatriz.
Pelos reinos, irei talvez curvado,
Como um proscripto princepe infeliz,
Ou como o indio pallido e exilado
Chorando o vivo azul do seu payz.
Mas no entanto, ah! ninguem ao Sol divino
Abrasou mais as azas, derretidas
Ante as duras, ferozes multidões!
Dorme, estatua de neve,
Vergontea de marfim!
Tocar que impio se atreve
No que é sagrado assim?
Dois são: o mais, mysterio
Vedado á terra. Deus
Talvez do solio ethereo
Nem baixe os olhos seus.
Respeita-os, tapa-os, como
Japhet e Sem, o pai...
Pende, sagrado pomo!
A vista ergue-se e cai.
Ergue-se e cai, conforme
A lei, que o manda assim.
Ergue-se e... Dorme, dorme,
Vergontea de marfim!
Manoel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.
Mas não foi Anto, não fui eu quem teve a culpa,
Foi Coimbra. Foi esta paysagem triste, triste,
A cuja influencia a minha alma não reziste,
Queres noticias? Queres que os meus nervos fallem?
Vá! dize aos choupos do Mondego que se callem...
E pede ao vento que não uive e gema tanto:
Que, emfim, se soffre abafe as torturas em pranto,
Mas que me deixe em paz! Ah tu não imaginas
Quanto isto me faz mal! Peor que as sabbatinas
Dos _ursos_ na aula, peor que beatas correrias
Péga na lyra sonora,
Péga meu charo Glauceste;
E ferindo as cordas de ouro,
Mostra aos rusticos Pastores
A formosura celeste
De Marilia, meus amores.
Ah, pinta, pinta
A minha bella!
E em nada a cópia
Se affaste della.
N'uma noite socegado
Velhos papeis revolvia,
E por ver de que tratavão
Hum por hum a todos lia.
Erão copias emendadas
De quantos versos melhores
Eu compuz na tenra idade
A meus diversos amores.
Aqui leio justas queixas
Contra a ventura formadas,
Leio excessos mal acceitos,
Doces promessas quebradas.
Vendo sem razões tamanhas
Eu exclamo transportado:
_Que finezas tão mal feitas!
Que tempo tão mal passado_!
(Palavras ditas entre bastidores a uma corista)
Tenho ideias com-_fusas_ e geladas
Sobre a _escala_ do amor onde resplende
_Lá_ n'esse vivo _sol_, que mais se accende
_Rallentando_ as promessas calculadas.
A _gamma_ dos suspiros não attende,
É de mau _tom_ possuir lindas manadas
D'amantes, que se _afinam_ nas ciladas
Das _pausas_, que o desejo não entende.
A alma do homem
É como a água:
Do céu vem,
Ao céu sobe,
E de novo tem
Que descer à terra,
Em mudança eterna.
Corre do alto
Rochedo a pino
O veio puro,
Então em belo
Pó de ondas de névoa
Desce à rocha liza,
E acolhido de manso
Vai, tudo velando,
Em baixo murmúrio,
Lá para as profundas.
Erguem-se penhascos
De encontro à queda,
— Vai, 'spúmando em raiva,
Degrau em degrau
Para o abismo.