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Eu vejo em tua bocca as pétalas vermelhas

Eu vejo em tua bocca as pétalas vermelhas
D'uma rosa de fogo aonde vão libar,
O mel das illusões, quaes timidas abelhas,
Uns velhos ideaes que em vão tento expulsar.

Dizer-me pódes tu de que ovulo espontaneo,
Tocado pelo sol, em mim poude nascer
Este bando cruel que dentro do meu craneo
Não faz ha muito já senão roer, roer?!

Ás vezes vôa ao largo; ás serras, ás campinas;
Remonta aos astros bons; torna a descer dos céos;
E volta a demolir as trémulas ruinas
Do templo onde crepita a luz dos dias meus!

*A LANTERNA*

O sabio antigo andou pelas ruas d'Athenas,
Com a lanterna accesa, errante, á luz do dia,
Buscando o varão forte e justo da Utopia,
Privado de paixões e d'emoções terrenas.

Eu tambem que aborreço as cousas vãs, pequenas
E que mais alto puz a sã Philosophia,
Ha muito busco em vão--ha muito, quem diria!
O mais cruel ideal das concepções serenas.

Tenho buscado em balde, e em vão por todo o mundo;
Esconde-se o ideal no sitio mais profundo,
No mar, no inferno, em tudo, aonde existe a dôr!...

DEUS.

Nas horas do silencio, á meia-noite,
      Eu louvarei o Eterno!
Ouçam-me a terra, e os mares rugidores,
      E os abysmos do inferno.
Pela amplidão dos céus meus cantos sôem,
      E a lua resplendente
Pare em seu gyro, ao resoar nest'harpa
      O hymno do Omnipotente.

Antes de tempo haver, quando o infinito
      Media a eternidade,
E só do vacuo as solidões enchia
      De Deus a immensidade,
Elle existia, em sua essencia involto,
      E fóra delle o nada:

Salomé

Insónia rôxa. A luz a virgular-se em mêdo,
Luz morta de luar, mais Alma do que a lua...
Ela dança, ela range. A carne, alcool de nua,
Alastra-se pra mim num espasmo de segrêdo...

Tudo é capricho ao seu redór, em sombras fátuas...
O arôma endoideceu, upou-se em côr, quebrou...
Tenho frio... Alabastro!... A minh'Alma parou...
E o seu corpo resvala a projectar estátuas...

Ela chama-me em Iris. Nimba-se a perder-me,
Golfa-me os seios nus, ecôa-me em quebranto...
Timbres, elmos, punhais... A doida quer morrer-me:

*AS CATHEDRAES*

Como vos amo ver ó cathedraes sosinhas,
A recortar o azul das noutes constelladas!
Erguidos corucheus, mysticas andorinhas,
--Ó grandes cathedraes do sol ensanguentadas!

Como vos amo ver, pombas alvoroçadas!
Ogivas ideaes, anjos de puras linhas,
E ó criptas sem luz, aonde embalsamadas
Dormem de mãos em cruz as santas e as rainhas!

Em vão olhaes o Ceu sagradas epopeias!
Flores de renda e luz, d'incenso e aromas cheias,
Aves celestiaes banhadas da manhã!

Vaidade, Tudo Vaidade!

Vaidade, meu amor, tudo vaidade!
Ouve: quando eu, um dia, for alguem,
Tuas amigas ter-te-ão amizade,
(Se isso é amizade) mais do que, hoje, têm.

Vaidade é o luxo, a gloria, a caridade,
Tudo vaidade! E, se pensares bem,
Verás, perdoa-me esta crueldade,
Que é uma vaidade o amor de tua mãe...

Vaidade! Um dia, foi-se-me a Fortuna
E eu vi-me só no mar com minha escuna,
E ninguem me valeu na tempestade!

GASPAR

    Ora se não sei eu quem foi teu pai!
    Fidalgo: sei perfeitamente bem.
    O que eu não sei, Gaspar! é o que vem
    N'esta vida fazer quem já lá vai.

    Já se vê que é aos paes que a gente sái.
    Tal pai, tal filho; sim, duvída alguem
    Que um pai se é como o teu, homem de bem,
    Tu és homem de bem como teu pai?

    D'isto não ha quem possa duvidar.
    Mas queres um conselho que eu te dou?
    Não mexas n'isso... cala-te, Gaspar!

LYRA XXVIII.

Cupido tirando
Dos hombros a aljava,
N'um campo de flores
Contente brincava.

  E o corpo tenrinho
Depois enfadado,
Incauto reclina
Na relva do prado.

  Marilia formosa,
Que ao Deos conhecia,
Occulta espreitava
Quanto elle fazia.

  Mal julga que dorme
Se chega contente,
As armas lhe furta,
E o Deos a não sente.

  Os Faunos, mal virão
As armas roubadas,
Sahirão das grutas
Soltando rizadas.

CARTA: A ti, amavel Bandeira...

A ti, amavel Bandeira,
Partidista da Verdade,
E de quem tenho mil provas,
Que o és tambem da Amizade:

Que são Filozofo vives,
E o mesmo morrer protestas,
A' excepção de me dares
Bilhete de boas festas:

Tolentino firme amigo
Inda quando o Mundo caia,
E a quem obrigas a sêllo
Desde a rua da Atalaia,[13]

[Nota de rodapé 13: Onde tinhão morado havia muitos annos.]

Dezeja pura alegria,
Saûde, e muito vintem;
Dezeja-te tudo aquillo,
Que elle quasi nunca tem;

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