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LYRA XXVI.

O destro Cupido hum dia
Extrahio mimosas cores
De frescos lyros, e rosas,
De jasmins, e de outras flores.

  Com as mais delgadas pennas
Usa de huma, e de outra tinta,
E nos angulos do cobre
A quatro bellezas pinta.

Por fazer pensar a todos
No seu lizo centro escreve
Hum letreiro, que pergunta:
_Este espaço a quem se deve_?

  Venus, que vio a pintura,
E lêo a letra engenhosa,
Pôz por baixo: _Eu delle cedo;
Dê-se a Marilia formosa_.

LYRA XXV.

O cego Cupido hum dia
Com os seus Genios fallava,
Do modo que lhe restava
De captivar a Dirceo.
    Depois de larga disputa,
Hum dos Genios mais sagazes
Este conselho lhe dêo:

  As settas mais aguçadas,
Como se em roxa batessem,
Dão nos seus peitos, e descem
Todas quebradas ao chão.
    Só as graças de Marilia
Podem vencer hum tão duro,
Tão izento coração.

CARTA: Bom Sobral, o que eu te disse...

Bom Sobral, o que eu te disse
He, a meu pezar, verdade;
Sonóros, amenos versos,
São obra da Mocidade;

Mandaste que em Crescentini;
Louvando a doce harmonia,
O que o Mundo diz em proza,
Eu lho enfeitasse em Poezia;

Que invocando as brandas Muzas,
Encostada ao peito a Lyra;
Cante os ternos sentimentos,
Que elle nas almas inspira;

Môço Sobral, tu ignoras
Da inerte velhice os damnos;
Nesta fria testa brigão,
Co'teu preceito, os meus annos:

Pensamentos Nocturnos

Lastimo-vos, ó estrelas infelizes,
Que sois belas e brilhais tão radiosas,
Guiando de bom grado o marinheiro aflito,
Sem recompensa dos deuses ou dos homens:
Pois não amais, nunca conhecestes o amor!
Continuamente horas eternas levam
As vossas rondas pelo vasto céu.
Que viagem levastes já a cabo!,
Enquanto eu, entre os braços da amada,
De vós me esqueço e da meia-noite.

*Mysterioso abysmo

      Tepido sonho de luz
      corpo, que destila aroma
      sublime e claro axioma
      espargindo amor a flux!

      Uma vertigem produz
      teu olhar, o seio, a côma,
      voluptuoso symptoma
      que a phantasia traduz.

      Debil flôr, que o sol admira
      beijando com azedume
      as estrellas de saphira...

      mas ninguem sequer presume
      que o meu coração expira
      na mortalha do ciume.

A Anto!

Poeta da saudade, ó meu poeta qu´rido
Que a morte arrebatou em seu sorrir fatal,
Ao escrever o Só pensaste enternecido
Que era o mais triste livro deste Portugal,

Pensaste nos que liam esse teu missal,
Tua bíblia de dor, teu chorar sentido
Temeste que esse altar pudesse fazer mal
Aos que comungam nele a soluçar contigo!

Ó Anto! Eu adoro os teus estranhos versos,
Soluços que eu uni e que senti dispersos
Por todo o livro triste! Achei teu coração...

Adamastor cruel! De teus furores

Adamastor cruel! De teus furores
Quantas vezes me lembro horrorizado!
Ó monstro! Quantas vezes tens tragado
Do soberbo Oriente os domadores!

Parece-me que entregue a vis traidores
Estou vendo Sepúlveda afamado,
Co'a esposa e co'os filhinhos abraçado,
Qual Mavorte com Vénus e os Amores.

Parece-me que vejo o triste esposo,
Perdida a tenra prole e a bela dama,
Às garras dos leões correr furioso.

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