Geral

A MINHA MÃI

    Patria! berço d'amor, que a alma embala
    Em quanto a luz vital nos illumina,
    E onde só descançado se reclina
    Quem, longe d'ella, dôr contínua rala...

    Se n'essa essencia, mãi! que a flôr exhala
    Na essencia d'uma flôr d'essa collina,
    Vês lagrimas d'amor que dentro a mina,
    Com saudades de quem do céo lhe falla:

    Se quando, o céo buscando, o fumo ondeia,
    Quando esse valle o sol deixa indeciso,
    Vês como fumo e flôr aspira, anceia

*Para As Raparigas de Coimbra*

1

Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós:
És tal qual meu avôzinho,
Falta-te apenas a voz.

2

Minha capa vos acoite
Que é p'ra vos agazalhar:
Se por fóra é cor da noite,
Por dentro é cor do luar...

3

Ó sinos de _Santa Clara_,
Por quem dobraes, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!

4

A sereia é muito arisca,
Pescador, que estás ao sol:
Não cae, tolinho, a essa isca...
Só pondo uma flor no anzol!

*No theatro anatomico*

      Sobre a meza de marmore luxuosa
      Descança scintillante formosura
      D'uma creança esbelta, uma pintura,
      Que parece dormir silenciosa.

      As alvas rômas, que a virtude espósa
      São como alegre ninho de candura;
      Tão fresca, tão sentida e melindrosa,
      Causa pena entregal-a á sepultura.

      Os estudantes em prodiga algarvia
      Retalhando o cadaver delicado
      Jogam chufas de sordida alegria.

Á ARVORE

Quando contemplo em paz teu nobre vulto
      Erguido aos ceus: envolto em verde manto,
      Supponho contemplar um justo,... um santo,...
      Um pae,... um Deus,... algum mysterio occulto!...

      Ha não sei bem que força em mim tão forte,
      Não sei que grande instincto inabalavel
      A levar para quanto é bello e estavel
      Esta alma, para quem só Deus é norte,

Fiei-me nos sorrisos da ventura

Fiei-me nos sorrisos da ventura,
Em mimos feminis, como fui louco!
Vi raiar o prazer; porém tão pouco
Momentâneo relâmpago não dura:

No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo húmido e ouco,
Pareço, até no tom lúgubre, e rouco
Triste sombra a carpir na sepultura:

Que estância para mim tão própria é esta!
Causais-me um doce, e fúnebre transporte,
Áridos matos, lôbrega floresta!

Nostalgica

O amor é chamma enorme que allumia
E nos consome e gasta o coração.
Uma faúlha o ateia--a sympathia,

O CANTO DO ADAÍL.

Quando, ao longe, nos campos d'Arzilla,
Alvejava do mouro o albornoz,
E corria, e corria veloz
O ginete de Bellamarim;
  Quando o esculca, saído da villa
Da manhã ao primeiro fulgor,
Não podendo a atalaia transpôr,
Vinha ás portas bater de Çafim;
  Quando em Tanger, a forte, se ouvia
De armaduras continuo tinir,
E nos ares se via luzir
O montante, a acha d'armas, e o criz;
  Quando em Ceuta vencida se erguia
Sobre o alcacer pendão português,
Contra o qual na mesquita de Fês

Formosuras do inverno!

Formosuras do inverno! Ao sol das duas horas
A aérea multidão de fadas quebradiças,
Gentis apparições dos bailes e das missas,
Desliza no fulgor das pompas seductoras.

No arfar da cazimira ha frases tentadoras
E maciezas taes nas languidas pelliças,
Que as tristes commoções, decrepitas, mortiças,
Resurgem do lethargo ó pallidas senhoras!

E muitos hão de ter uns extasis divinos
Ouvindo soluçar, á noite, aos violinos,
A vaga introducção d'uma balada aerea;

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