De longe vejo passar no rio um navio
Autor: Alberto Caeiro on Wednesday, 28 November 2012
De longe vejo passar no rio um navio...
Vai Tejo abaixo indiferentemente.
Mas não é indiferentemente por não se importar comigo
De longe vejo passar no rio um navio...
Vai Tejo abaixo indiferentemente.
Mas não é indiferentemente por não se importar comigo
Deito-me ao comprido na erva.
E esqueço do quanto me ensinaram.
O que me ensinaram nunca me deu mais calor nem mais frio,
Quando elle, emfim, morrendo, elle o cordeiro,
Pomba mansa no ar pesado e immundo,
Pendeu-se como um lyrio moribundo,
Sobre a haste do tragico madeiro.
E lançando o espirito prufundo
Ao reino bello, grande, e verdadeiro,
Finou-se, emfim, chagado e justiceiro,
Ainda, ainda, perdoando ao mundo.
Um soldado romano vendo-o exposto,
E já morto na Cruz, com um desgosto,
Com a lança enristada o trespassou...
Ao vê-la caminhar em trajo vaporosos,
Parece que desliza em voluptuosa dança,
Como aqueles reptis da Índia, majestosos,
Que um faquir faz mover em torno d'uma lança.
Como um vasto areal, ou como um céu ardente,
Como as vagas do mar em seu fragor insano,
— Assim ela caminha, a passo, indiferente,
Insensível à dor, ao sofrimento humano.
Seus olhos teem a luz dos cristais rebrilhantes,
E o seu todo estranho onde, a par, se lobriga
O anjo inviolado e a muda esfinge antiga,
Falhei na Vida. Zut! Ideaes caidos!
Torres por terra! As arvores sem ramos!
Ó meus amigos! todos nós falhamos...
Nada nos resta. Somos uns perdidos.
Choremos, abracemo-nos, unidos!
Que fazer? Porque não nos suicidamos?
Jezus! Jezus! Resignação... Formamos
No mundo, o Claustro-pleno dos Vencidos.
Troquemos o burel por esta capa!
Ao longe, os sinos mysticos da Trappa
Clamam por nós, convidam-nos a entrar...
Tu vôas, borboleta! e que eu não possa
Voar, amor!
Diversa como é n'isto sorte nossa!
Dizia a flôr.
No valle, ambas irmãs, nascidas fomos;
És como eu sou;
E amamo-nos, e flôres ambas somos,
Mas eu não vôo.
A ti leva-te o ar; prende-me a terra
A mim; e eu
Como hei-de perfumar-te em valle e serra,
E lá no céo!...
Muito embora, Marilia, muito embora
Outra belleza, que não seja a tua,
Com a vermelha roda, a seis puxada,
Faça tremer a rua.
As paredes da salla aonde habita
Adorne a seda, e o tremó dourado;
Pendão largas cortinas, penda o lustre
Do této apainelado.
Tu não habitarás Palacios grandes,
Nem andarás nos coches voadores;
Porém terás hum Vate, que te preze,
Que cance os teus louvores.
Senhor, a dada Perdiz,
Acerejada, e fresquinha,
Veio emendar os estragos
Da enjoativa gallinha;
Esta ave he sempre odioza
A melancólicos dentes;
Faz lembrar ultimos caldos
De já perdidos doentes;
He, além disto, hum cruzado
Fugido do mialheiro;
Este meu mortal fastio
Custou rios de dinheiro;
Mas da vossa lauta meza
Bocados medicinais
Forão tão bem applicados,
Que me curárão de mais;
Antonio Pedro, astro fulgurante
Que cruzas do tablado a vasta senda
Como guerreiro impavido da lenda,
Que, em busca de proesas, vaga errante.
Eil o cingindo as armas de diamante!
Sem que o cansaço, ou vil temor o prenda,
Cada vez mais se engolfa na contenda,
Em prol da esquiva fama alti-sonante.
Quando o veu do futuro descortino
No alcáçar da justiça, que rebrilha
Sabeis o que descubro, e vaticino?
Agora me sinto alegre e inspirado em chão clássico;
Mundo de outrora e de hoje mais alto e atraente me
fala.
Aqui sigo eu o conselho, folheio as obras dos velhos
Com mão diligente, cada dia com novo prazer.
Mas, noites fora, Amor me mantém noutra ocupação;
Se apenas meio me instruo, dobrada é minha ventura.
E acaso não é instruir-me, quando as formas dos seios
Adoráveis espio e a mão pelas ancas passeio?