Geral

*Taborda*

      Taborda, altivo heroe da gargalhada,
      Que dominas no palco com bravura,
      Quando vier sobre ti a morte escura,
      Hade sentir-se humilde, deslumbrada.

      E rindo a vez primeira enthusiasmada,
      Desfranzindo a medonha catadura,
      Ao vêr-te e ouvir-te em alegria pura,
      Despedaça a féra clava ensanguentada.

      Como subjugas cauto a morte ingrata,
      Vences tambem risonho a dúctil alma
      D'esta multidão gélida, pacata.

Aos olhos dele

Não acredito em nada. As minhas crenças
Voaram como voa a pomba mansa,
Pelo azul do ar. E assim fugiram o
As minhas doces crenças de criança.

Fiquei então sem fé; e a toda gente
Eu digo sempre, embora magoada:
Não acredito em Deus e a Virgem Santa
É uma ilusão apenas e mais nada!

Mas avisto os teus olhos, meu amor,
Duma luz suavíssima de dor...
E grito então ao ver esses dois céus:

Cede a Filosofia à Natureza

Tenho assaz conservado o rosto enxuto
Contra as iras do Fado omnipotente;
Assaz contigo, ó Sócrates, na mente,
À dor neguei das queixas o tributo.

Sinto engelhar-se da constância o fruto,
Cai no meu coração nova semente;
Já me não vale um ânimo inocente;
Gritos da Natureza, eu vos escuto!

Jazer mudo entre as garras da Amargura,
D'alma estóica aspirar à vã grandeza,
Quando orgulho não for, será loucura.

Vontade de Dormir

Fios d'ouro puxam por mim
A soerguer-me na poeira -
Cada um para o seu fim,
Cada um para o seu norte...

. . . . . . . . . . . . . . .

- Ai que saudade da morte...

. . . . . . . . . . . . . . .

Quero dormir... ancorar...

. . . . . . . . . . . . . . .

Arranquem-me esta grandeza!
- Pra que me sonha a beleza,
Se a não posso transmigrar?...

Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'

Calou-se o monge: sepulchral silencio

Calou-se o monge: sepulchral silencio
Á sua voz seguiu-se. Uma toada
De orgam rompeu do côro. Assemelhava
O suspiro saudoso, e os ais de filha,
Que chora solitaria o pae, que dorme
Seu ultimo, profundo e eterno somno.
Melodias depois soltou mais doces
O severo instrumento: e ergueu-se o canto,
O doloroso canto do propheta,
Da patria sobre o fado. Elle, que o vira,
Sentado entre ruinas, contemplando
Seu avito esplendor, seu mal presente,
A quéda lhe chorou. Lá na alta noite,

O PSALMO.

Quanto é grande o meu Deus!.. Té onde chega
      O seu poder immenso!
Elle abaixou os céus, desceu, calcando
      Um nevoeiro denso.
Dos cherubins nas asas radiosas
      Librando-se, voou;
E sobre turbilhões de rijo vento
      O mundo rodeiou.
Ante o olhar do Senhor vacilla a terra,
      E os mares assustados
Bramem ao longe, e os montes lançam fumo,
      Da sua mão tocados.
Se pensou no Universo, ei-lo patente
      Ante a face do Eterno:
Se o quiz, o firmamento os seios abre,

Fervet amor

A conversa cahiu no casamento.
E defronte de nós, n'esse momento,
Noivava um par alegre de pardaes.

AO HOMEM

      Segundo as tradicções que vão sumir-se
      Na noite secular das priscas eras:
      Rugiram contra ti, Homem, as feras,
                  E as coleras do mar;
      Dos ceus revoltos os trovões e os raios;
      Qual reprobo vivias no universo
      Inerme, nu e só, na sombra immerso,
                  Sem Deus, sem luz, sem lar!...

A UM CERTO HOMEM

Agora és todo nosso: a rude voz da historia
Já póde hoje falar
E dar-te um balancete ás nodoas e á gloria
Rei-sol de _boulevard_.

Que dias d'esplendor! Porém como começa
A noite e a podridão!
Foi Deus que te mandou tambem para a Lambessa
Da eterna punição!

Enfarda a tua gloria e leva-a que é vergonha
Que vejam ámanhã,
Que até lhe depennou as aguias de Bolonha
O abutre de Sedan!

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