Geral

A Giganta

No tempo em que a Natura, augusta, fecundanta,
Seres descomunais dava {a terra mesquinha,
Eu quisera viver junto d'uma giganta,
Como um gatinho manso aos pés d'uma rainha!

Gosta de assistir-lhe ao desenvolvimento
Do corpo e da razão, aos seus jogos terríveis;
E ver se no seu peito havia o sentimento
Que faz nublar de pranto as pupilas sensíveis

Percorrer-lhe a vontade as formas gloriosas,
Escalar-lhe, febril, as colunas grandiosas;
E às vezes, no verão, quando no ardente solo

Maes, Vinde Ouvir!

Longe de ti, na cella do meu quarto,
Meu copo cheio de agoirentas fezes,
Sinto que rezas do Outro-mundo, harto,
Pelo teu filho. Minha Mãe, não rezes!

Para fallar, assim, ve tu! já farto,
Para me ouvires blasphemar, ás vezes,
Soffres por mim as dores crueis do parto
E trazes-me no ventre nove mezes!

Nunca me houvesses dado á luz, Senhora!
Nunca eu mamasse o leite aureolado
Que me fez homem, magica bebida!

A Beleza

De um sonho escultural tenho a beleza rara,
E o meu seio, — jardim onde cultivo a dor,
Faz despertar no Poeta um vivo e intenso amor,
Com a eterna mudez do marmor' de Carrara

Sou esfinge subtil no Azul a dominar,
Da brancura do cisne e com a neve fria;
Detesto o movimento, e estremeço a harmonia;
Nunca soube o que é rir, nem sei o que é chorar.

O Poeta, se me vê nas atitudes fátuas
Que pareço copiar das mais nobres estátuas,
Consome noite e dia em estudos ingentes..

A Teodoro de Banville

Por tal modo agarraste a Deusa pela crina,
Com ar dominador, num gesto sacudido
Que se alguém presenceia o caso acontecido
Poderia julgar-te um rufião de esquina.

Com o límpido olhar, — precoce e ardente vista,
Audaz, vais expandido o orgulho de arquitecto
Em nobres produções, de traço tão correcto,
Que deixam futurar um prodigioso artista.

O nosso sangue, Poeta, esvai-se dia a dia!...
Acaso, do Centauro, a túnica sombria,
— Qie e, fúnebres caudais as velas transformava —

LYRA XIX.

Em quanto pasta alegre o manso gado,
Minha bella Marilia, nos sentemos
Á sombra deste cedro levantado.
    Hum pouco meditemos
    Na regular belleza,
Que em tudo quanto vive, nos descobre
    A sabia Natureza.

  Attende, como aquella vaca preta
O novilhino seu dos mais separa,
E o lambe, em quanto chupa a liza teta.
    Attende mais, ó chara,
    Como a ruiva cadella
Supporta que lhe morda o filho o corpo;
    E salte em cima della.

CARTA: _Aconselhando a hum Cebelleireiro, que não continuasse a fazer Versos_.

Pois que o talento inquieto
Até em poezia provas,
E queres ás mais desgraças
Ajuntar desgraças novas;

Pois, que em galantes cantigas
Teu Rival puzeste razo,
E coroado de trovas
Vás entrando no Parnazo,

Quero em trovas avizar-te,
Que ha baixîos nesta barra;
Vou ser Prégador trovista,
Vou ser hum novo Bandarra;

A occupação de Poeta
He nobre por natureza;
Mas todo o Officio tem ossos,
E os deste são, a pobreza;

Em Ramos Tufados, Cheios...

Eram ramos tufados, cheios,
Olha, minha Amada, vê!
Deixa que te mostre os frutos
Dentro dos ouriços verdes.

Redondos, há muito pendem,
Calmos, fechados em si,
E um ramo a baloiçar
Os embala paciente.

Mas de dentro amadurece
E incha o fruto castanho;
Gostava de vir pra o ar
E de poder ver o sol.

A casca rebenta, e cai
Alegre pra o chão o fruto;
Tais minhas canções aos montes
Te vão cair no regaço.

Mentiras

Ai quem me dera uma feliz mentira
que fosse uma verdade para mim!
J. DANTAS

Tu julgas que eu não sei que tu me mentes
Quando o teu doce olhar pousa no meu?
Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito meu?

Ai, se o sei, meu amor! Em bem distingo
O bom sonho da feroz realidade...
Não palpita d´amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!

Embora mintas bem, não te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais
O gelo do teu peito de granito...

Lusos Heróis, Cadáveres Cediços

Lusos heróis, cadáveres cediços,
Erguei-vos dentre o pó, sombras honradas,
Surgi, vinde exercer as mãos mirradas
Nestes vis, nestes cães, nestes mestiços.

Vinde salvar destes pardais castiços
As searas de arroz, por vós ganhadas;
Mas ah! Poupai-lhe as filhas delicadas,
Que. Elas culpa não têm, têm mil feitiços.

De pavor ante vós no chão se deite
Tanto fusco rajá, tanto nababo,
E as vossas ordens, trémulo, respeite.

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