Geral

Que Aborrecido!

Meus dias de rapaz, de adolescente,
Abrem a bocca a bocejar sombrios:
Deslizam vagarozos, como os rios,
Succedem-se uns aos outros, egualmente.

Nunca desperto de manhã, contente.
Pallido sempre com os labios frios,
Oro, desfiando os meus rozarios pios...
Fôra melhor dormir, eternamente!

Mas não ter eu aspirações vivazes,
E não ter, como têm os mais rapazes,
Olhos boiando em sol, labio vermelho!

Ciganos em Viagem

A tribo que prevê a sina dos viventes
Levantou arraiaes hoje de madrugada;
Nos carros, as mulher', c'o a torva filharada
Às costas ou sugando os mamilos pendentes;

Ao lado dos carrões, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde já fulgurou muita ilusão amada.

Na buraca onde está encurralado, o grilo,
Quando os sente passar, redrobra o meigo trilo;
Cibela, com amor, traja um verde mais puro,

LYRA XVI.

Eu, Glauceste, não duvido
Ser a tua Eulina amada
    Pastora formosa,
    Pastora engraçada.
Vejo a sua côr de rosa,
Vejo o seu olhar divino,
Vejo os seus purpùreos beiços,
Vejo o peito crystallino;
Nem ha cousa, que assemelhe
Ao crespo cabello louro.
Ah! que a tua Eulina vale,
Vale hum immenso thesouro!

Luz d'intima influencia

    Luz d'intima influencia,
    Oh fugitiva luz!
    Luz cuja eterna ausencia
    É minha eterna cruz.

    Podessem-te, ainda antes
    Do meu extremo adeus,
    Meus olhos fluctuantes
    Vêr lampejar nos céos.

    Se ainda n'esse espaço,
    Tão longe onde tu vás,
    Visse um reflexo baço
    Da pura luz que dás;

    Tornaram-se-me estrellas
    As lagrimas de dôr;
    E lagrimas são ellas...
    Sim, lagrimas d'amor!

CARTA: _No dia dos Annos do Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de Angeja D. Jozé de Noronha, estando o Author doente_.

Senhor, se vos são acceitos
Pobres Versos, mal limados,
Entre vidros, e receitas,
Em triste leito traçados;

Se de hum sombrio doente
A fúnebre poezia
Os prazeres não perturba
Deste faustissimo Dia;

Consenti, que a branda Lyra,
Por vós outr'ora escutada,
E que teimoza molestia
Tem ha muito pendurada;

Sobre este cansado peito,
Ferida com debil mão,
Mande ao Ceo singelos hymnos,
Nascidos do coração;

*No confissionario*

     

      D'um frade libidino e bronzeado
      Ortego desenhou o rosto bento,
      Grave ausculta no sexto mandamento
      Uma joven do seculo passado;

      Fascinada respira o ar mesclado
      Das lascivas perguntas de convento,
      Que se aproveitam do veloz momento
      Galopando na senda do peccado.

      A pobre flôr arqueja palpitante
      Sob esse olhar, que vae como despil-a
      Mystico, corrompido e triumphante.

E Quando de Dia a Lonjura

E quando de dia a lonjura dos montes
Azuis atrai a minha saudade,
E, de noite, as estrelas desmedidas
Esplendorosas ardem sobre a minha cabeça

Todos os dias e todas as noites
Assim celebro o destino do homem:
Se ele a pensar alcançar sempre o justo,
Para sempre terá a beleza e a grandeza.

Inter-Sonho

Numa incerta melodia
Tôda a minh'alma se esconde
Reminiscencias de Aonde
Perturbam-me em nostalgia...

Manhã d'armas! Manhã d'armas!
Romaria! Romaria!

. . . . . . . . . . . . . . .

Tacteio... dobro... resvalo...

. . . . . . . . . . . . . . .

Princesas de fantasia
Desencantam-se das flores...

. . . . . . . . . . . . . . .

Que pesadêlo tão bom...

. . . . . . . . . . . . . . .

Pressinto um grande intervalo,
Deliro todas as côres,
Vivo em roxo e morro em som...

Versos

Versos! Versos! Sei lá o que são versos...
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma...

Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar,
Um verso é o teu sorriso e os de Dante
Eram o teu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!

Meus versos!... Sei eu lá também que são...
Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez...

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