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Poemas São como Vitrais Pintados

Poemas são como vitrais pintados!
Se olharmos da praça para a igreja,
Tudo é escuro e sombrio;
E é assim que o Senhor Burguês os vê.
Ficará agastado? — Que lhe preste!...
E agastado fique toda a vida!

Mas — vamos! — vinde vós cá para dentro,
Saudai a sagrada capela!
De repente tudo é claro de cores:
Súbito brilham histórias e ornatos;
Sente-se um presságio neste esplendor nobre;
Isto, sim, que é pra vós, filhos de Deus!
Edificai-vos, regalai os olhos!

Doce Certeza

Por essa vida fora hás-de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d´ouro fulgindo em muita boca!

Hás de guardar em cofre perfumado
Cabelos d´ouro e risos de mulher,
Muito beijo d´amor apaixonado;
E não te lembrarás de mim sequer...

Hás de tecer uns sonhos delicados...
Hão de por muitos olhos magoados,
Os teus olhos de luz andar imersos!...

Alcool

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longamente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas d'auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de côr e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Desce-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo -
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...

Amor Sem Fruto, Amor Sem Esperança

Amor sem fruto, amor sem esperança
É mais nobre, mais puro,
Que o que, domando a ríspida esquivança,
Jaz dos agrados nas prisões seguro.
Meu leal coração, constante e forte,
Vendo a teu lado acesos,
Flérida ingrata, os ódios, os desprezos,
O rigor, a tristeza, a raiva, a morte,
Forjando contra mim, por ordem tua,
Mil setas venenosas,
Em prémio destas lágrimas saudosas,
Inda assim continua
A abrasar-se em teus olhos... Vis amantes,
Corações inconstantes,
De sórdidas paixões envenenados,

Mas troa a voz do monge, e, emfim, desperto

Mas troa a voz do monge, e, emfim, desperto
O coração bateu. Eia, retumbem
Pelos ecchos do templo os sons dos psalmos,
Que em dia de afflicção ignoto vate
Teceu, banhado em dôr. Talvez foi elle
O primeiro cantor que em varias córdas,
Á sombra das palmeiras da Iduméa,
Soube entoar melodioso um hymno.
Deus inspirava então os trovadores
Do seu povo querido, e a Palestina,
Rica dos meigos dons da natureza,
Tinha o sceptro, tambem, do enthusiasmo.
Virgem o genio ainda, o estro puro

Carmen

Sobre as dobras rendadas da mantilha
Brilham-te, como soes em pleno dia,
Os olhos mais galantes de Sevilha
Na fronte mais gentil d'Andaluzia.

A tua voz ao som da guitarrilha
Tem vibrações extranhas d'harmonia.
Ninguem canta melhor a seguidilha
N'esse paiz do Amor e da Alegria.

Nas voltas caprichosas do _bolero_
Não tens rival em graça e em _salero_
Carmen gentil, oh flôr das hispanholas!

Tu fazes-me o effeito inebriante
Dos vinhos de Xerez e de Alicante
Quando bailas ao som das castanholas!

O GRANDE TEMPLO

Eu não trajo o burel do magro cenobita
Nem me posso infligir crueis macerações;
Mas não rio d'alguem que busca a paz bemdita
No seio casto e bom das grandes solidões.

Bem sei que ha na montanha aromas penetrantes
E certas vibrações que podem fazer mal;
Mas se é preciso Deus, direi que é melhor antes
Amal-o com fervor no templo universal!

Em quanto sobre o altar das serras azuladas
Mil lampadas do céo derramam toda a luz,
Nas velhas cathedraes, já meio arruinadas,
O Tempo,--o grande verme!--até devora a cruz!

*ACCUSAÇÃO Á CRUZ*

Ainsi lirat-il les artiques vérités, les tristes vérités, les
    grandes, les terribles vèrités.
    (De Quincey)

Ha muito, ó lenho triste e consagrado!
Desfeita podridão, velho madeiro!
Que tens avassalado o mundo inteiro,
Como um pendão de luto levantado.

Se o que foi nos teus braços cravejado
Foi realmente a Hostia, o Verdadeiro,
Elle está mais ferido que um guerreiro
Para livrar das flexas do Peccado.

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