SOCRATES
Autor: Soares de Passos on Sunday, 18 November 2012
Domingas, debalde queres,
Nesse canto da Cozinha,
Vencer a invencivel teima
Da rebelde carapinha;
Em vão te arripia a frente,
De que zomba o Deos de Amor,
Alvo côto de pomada,
Furtado do Toucador;
Debalde tufado laço
De atadeira fitta Ingleza
Te assombra a lêveda pôpa,
Rissada por natureza.
Debalde altêas as ancas,
Esguias, e enganadoras,
Co'as velhas algibeirinhas,
Que vão deixando as Senhoras,
Senhora, tambem hum dia
Entrarei co'a frente erguida;
Não serei na vossa meza
Dependente toda a vida;
Nem sempre abatido pejo
Dirá nesta cara feia
Quanto doe a hum peito altivo
Matar fome em caza alheia;
Airozo, gordo Perum,
He meu soberbo prezente;
Traz inda as pennas molhadas
Co'pranto da minha gente;
No Santo Dia esperavão,
Quebrando antigo jejum,
Cravar inexpertos dentes
Neste primeiro Perum;
Com fragor açoitando a vaga escura,
O temporal irado, espumacento
Cavalga um perfido corcel--o vento--
Que solta gargalhadas de bravura.
Treme a terra, e com horrida figura,
Como Athlante, sacóde o turvo argento;
Nos gonzos oscillando o pavimento,
Dançam torres no assomo da loucura.
Vae o fogo alastrando o aureo manto,
As ruinas trucidam fugitivos,
Que sangrentos se abraçam convulsivos!
Dançam, dançam os paladinos,
Os magros paladinos do diabo,
Os esqueletos dos Saladinos.
Besta e mais besta! O positivo é nada...
(Perdoa, se em gramática te falo,
Arte que ignoras, como ignoras tudo.)
Besta e mais besta! Na palavra embirro;
Que a besta anexa ao mais teu ser define.
Dás-me louvor servil na voz do prelo,
Grande me crês, proclamas-me famoso,
Excelso, transcendente, incomparável,
Confessas que d'Elmano a fúria temes...
E, débil estorninho, águias provocas,
Aves de Jove, que o corisco empunham!
Trazes-me em tuas mãos de vitorioso
Todos os bens que a vida me negou,
E todo um roseiral, a abrir, glorioso
Que a solitária estrada perfumou.
Neste meio-dia límpido, radioso,
Sinto o teu coração que Deus talhou
Num pedaço de bronze luminoso,
Como um berço onde a vida me pousou.
O silêncio, ao redor, é uma asa quieta...
E a tua boca que sorri e anseia,
Lembra um cálix de tulipa entreaberta...
Brancas, suaves mãos de irmã
Que são mais doces que as das rainhas,
Hão de pousar em tuas mãos, as minhas
Numa carícia transcendente e vã.
E a tua boca a divinal manhã
Que diz as frases com que me acarinhas,
Há de pousar nas dolorosas linhas
Da minha boca purpurina e sã.
Meus olhos hão de olhar teus olhos tristes;
Só eles te dirão que tu existes
Dentro de mim num riso d’alvorada!
E nunca se amará ninguém melhor;
Tu calando de mim o teu amor,
Sem que eu nunca do meu te diga nada!...
Era ainda a visão,--Do templo em meio
Do anjo da morte a espada flammejante
Crepitando bateu. Bem como insectos,
Que á flôr de pego pantanoso e triste
Se balouçavam--quando a tempestade
Veiu as azas molhar nas aguas turvas,
Que marulhando sussurraram--surgem
Volteando, zumbindo em dança douda,
E lassos, vão pousar em longas filas
Nas margens do paul, de um lado e de outro;
Tal o murmurio e a agitação incerta
Ciciava das sombras remoinhando
Ante o sopro de Deus. As melodias
A chaminé vomita fumarada.
A machina assobia: parto emfim.
Na _gare_, ao longe, a minha namorada
Agita o lenço branco para mim.
Como rectas traçadas a namkim,
Sobre um fundo ceruleo de aguada,
Vejo no espaço nitidas, assim,
As linhas telegraphicas da estrada.
O sol, hostia de luz resplandecente,
Vae-se elevando gloriosamente
Na abobada vastissima dos ceus
E dois choupos batidos pelo vento
Curvam-se num ligeiro cumprimento,
Cerimoniosos, a dizer-me adeus...