Geral

Verso Inconcebível

Tento escrever à força a poesia
devaneando paisagens, obituários,
amores fugidios
mas verso algum vem — obrigado!

poesia é um vírus incubado
um ato falho dantesco
onde a rima é outorgada
no momento de maior fraqueza

prolifera-se bolidamente
é um ataque às nossas
maiores resistências

aquele que a concebe
é quase sempre o mais frágil
nem tanto o disciplinado, o exigente

por isso abandono minha Lettera 25
desisto do batente
não depende de minha vontade
nem de minha métrica ou ritmo

métrica!
antes de dormir, me perdoo

Querer-te eu Queria

Queria te querer
como quem quer nada
só por querer

um querer o outro
sem querer do outro
querendo por querer
é, mas também não quero
querer sem o outro

um querer
o outro sem querer
quero, mas não é que eu queira
querer porque quero
do outro um me querer
isso seria apenas querer que me quisesse

como quem nada quer
— na verdade verdadeira
querer-te eu queria.

Gesto corrompido

               Tem dias: oh dias!!!!

                que vem um aperto,

                a saudade de quando ria,

                na solidão de um dia suspeito.

 

                Porque viestes?

                Estava adormecido,

               rompi a folha, e as vestes

               em gesto corrompido.

 

               Na folha estava seu nome,

                nas vestes  o teu cheiro,

                 de quando matavas a fome,

                  tão minha ,tão sua, amor feiticeiro.

 

Deixando o Caminho Para Trás

O caminho me encontrou
sem escolha, voltei a caminhar
mas senti falta da dúvida
de me fincar em qualquer lugar
sem saber para aonde se vai


talvez eu nunca quisesse ir
nem caminhar, nem chegar
e na certeza de outra vez
perdidamente me descaminhar
vou deixando o caminho para trás.

Sem o Barulho do Mundo

Sem o barulho do mundo,
Para não falar silêncio,
Ouve-se a fina e persistente
Melodia da chuva noturna.

Se bem que
Alguns ainda a desfortunam,
Levam sua quietude à falência,
Uns com suas carências rugosas,
Outros com suas histerias inconvincentes.

Enquanto isso, são incapazes de notar
A vida escorrendo à surdina,
Sem um só refrão,
Ora para a música da arrebentação infinda,
As ondas num estribilho a divagar,
Ora para a culpa e sua disfonia
Sem nenhum perdão.

A Difícil Arte de Dizer Não

 

Não consegue dizer não, seja lá por medo...
Se diz, a faca da culpa lhe corta o peito,
Se não, o ódio de si lhe pesa as costas,
Tantas as coisas sem poder carregar postas.

Tão simples o não, e nunca dito,
Insiste no sim, que em não se volta contra ele,
Nega-se a não dizer o sim maldito,
Até quando mais se pode e deve.

E mais a si mesmo deve.
É, na verdade, cobrado pelo indébito,
Por tão inapropriadamente se tratar.
E mais vai devendo de tanto se doar.

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