Geral

Depois de Te Haver Criado, a Natureza Pasmou

A mãe, que em berço dourado
Pôs teu corpo cristalino,
É sup'rior ao Destino,
Depois de te haver criado.
Quando Amor, o Nume alado,
Tua infância acalentou,
Quando os teus dias fadou,
Minha Lília, minha amada,
A mãe ficou encantada,
A Natureza pasmou.

Diz-me, amor, como te sou querida

Diz-me, amor, como te sou querida,
Conta-me a glória do teu sonho eleito,
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito,
Arranca-me dos pântanos da vida.

Embriagada numa estranha lida,
Trago nas mãos o coração desfeito,
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito
Que me salve e levante redimida!

Nesta negra cisterna em que me afundo,
Sem quimeras, sem crenças, sem turnura,
Agonia sem fé dum moribundo,

Grito o teu nome numa sede estranha,
Como se fosse, amor, toda a frescura
Das cristalinas águas da montanha!

Eis que a turba rareia. Ermam bem poucos

Eis que a turba rareia. Ermam bem poucos
Do templo na amplidão: só lá no escuro
De afumada capella o justo as preces
Ergue pio ao Senhor, as preces puras
De um coração que espera, e não mentidas
De labios de impostor, que engana os homens
Com seu meneio hypocrita, calando
Na alma lodosa da blasphemia o grito.
Então exultarão os bons, e o í­mpio,
Que passou, tremerá. Emfim, de vivos,
Da voz, do respirar o som confuso
Vem confundir-se no ferver das praças,
E pela galilé só ruge o vento.

UM EVANGELHO

      Sahi uma manhã mal vinha o sol rompendo,
      E fui-me religioso a ouvir a missa ao campo,
      Á vasta cathedral do mundo, aonde aprendo
      Da Vida as sacras leis, que em letras d'ouro estampo.

      Sentei-me sob um bosque estenso e solitario,
      Que, em paz e sombra involto, á quietação me envida;
      O accaso conduzira-me a um vasto santuario,
      Onde ia celebrar-se a communhão da Vida!

*MYSTICISMO HUMANO*

Sunt lacrimae rerum...
     (Virgilio)

A alma é como a noute escura, immensa e azul,
Tem o vago, o sinistro, e os canticos do sul,
Como os cantos d'amor serenos das ceifeiras
Que cantam ao luar, á noute pelas eiras...
Ás vezes vem a nevoa á alma satisfeita,
E cae sombria, vaga, e meuda e desfeita...
E como a folha morta em lagos somnolentos
As nossas illusões vão-se nos desalentos!

FALA A ORDEM

Pequeno, d'onde vens cantando a Marselhesa;
Da barricada infame, ou d'outra vil torpeza?

Que esplendido porvir! Do nada apenas sahes
Começas a morder as purpuras reaes
Ó filho trivial da livida canalha!...
E, vamos, deixa ver, guardaste uma navalha,?!
Não tremas que eu bem vi! que trazes tu na mão?
Intentas já limar as grades da prizão,

Fazendo scintillar um ferro contra o solio
Archanjo que adejaes nos fumos do petroleo?!...
Mas, vamos abre a mão: não queiras que eu te dê.

*Os Sinos*

1

Os sinos tocam a noivado,
    No Ar lavado!
Os sinos tocam, no Ar lavado,
    A noivado!

Que linda criança que assoma na rua!
    Que linda, a andar!
Em extasi, o povo commenta que é a Lua,
    Que vem a andar...

Tambem, algum dia, o povo na rua,
    Quando eu cazar,
Ao ver minha noiva, dirá que é a Lua
    Que vae cazar...

2

E o sino toca a baptizado
    Que lindo fado?
E o sino toca um lindo fado,
    A baptizado!

LYRA VII.

Vou retratar a Marilia,
A Marilia meus amores;
Porém como, se eu não vejo
Quem me empreste as finas cores!
Dar-mas a terra não póde;
Não que a sua côr mimosa
Vence o lyrio, vence a rosa:
O jasmim, e as outras flores.
    Ah soccorre, Amor, soccorre
    Ao mais grato empenho meu!
    Vôa sobre os Astros, vôa,
    Traze-me as tintas do Ceo.

ROSA E ROSAS

    A Rosa trouxe-me rosas
    E nada mais natural,
    Mas eu prendas tão mimosas
    É que não tenho; inda mal.

    Quando tinha, se me désse,
    Não digo mais que uma flôr,
    Talvez de flôres lhe enchesse
    Esses cofrinhos d'amor.

    Aguas passadas, Rosinha!
    Deixal-o; veja se vê
    N'este chão que já foi vinha
    Coisa que ainda se dê.

    Veja e escolha. Está na mesa
    O que ha em casa; é tirar
    --Tirar com toda a franqueza;
    Inda hão-de espinhos sobrar.

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