Geral

A minha mãe

As illusões semelham-se a um collar
De perolas alvissimas, de espuma.
Se o fio que as segura se quebrar,
Cahem no chão, dispersas, uma a uma.

Cahem no chão, dispersas, uma a uma,
Se o fio que as segura se quebrar;
Mas entre tantas sempre fica alguma,
Sempre alguma suspensa ha de ficar.

D'as minhas illusões, dos meus affectos,
Longo collar de amores predilectos,
Muitos rolaram já no pó tambem.

*Antonio*

Que noite de inverno! Que frio, que frio!
    Gelou meu carvão:
Mas boto-o á lareira, tal qual pelo estio,
    Faz sol de verão!

        Nasci, n'um Reino d'Oiro e flores
        Á beira-mar.

Ó velha Carlota, tivesse-te ao lado,
    Contavas-me historias:
Assim... desenterro, do val do passado,
    As minhas Memorias.

        Sou neto de Navegadores,
        Heroes, Lobos d'agoa, Senhores
        Da India, d'Aquém e d'Além-mar!

II

 Patria! a Patria! dá rebate e chama,
    Chama por todos nós.
Ha uma corrente electrica que inflamma
    Os netos e os avós!

Irrompe a multidão a afiar a espada
    Do combate leal,
No pedestal da Estatua immaculada
    No eterno pedestal,

E vae cobrir de lucto a grande Imagem
    Do heroico luctador,
Como um protesto contra a villanagem
    Do estrangeiro rancor!

LYRA II.

Pintão, Marilia, os Poetas
A hum menino vendado,
Com huma aljava de settas,
Arco empunhado na mão:
Ligeiras azas nos hombros,
O tenro corpo despido;
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes que lhe dão.

  Porém eu, Marilia, nego,
Que assim seja Amor; pois elle
Nem he moço, nem he cégo,
Nem settas, nem azas tem,
Ora pois, eu vou formar-lhe
Hum retrato mais perfeito,
Que elle já ferio meu peito;
Por isso o conheço bem.

A UMA MULHER

Amo-te a ti, e a Deus.
    Teus sonhos são riquezas
    Talvez e fasto. Os meus,
    És tu, que me desprezas.

    Deixal-o. Amor acaso
    É racional? Não é.
    O fogo em que me abrazo
    É como a luz da fé;

    Que além de cega, apaga
    O facho da razão.
    Ama-se e não se indaga
    Se se é amado ou não.

    Amo-te. O mais ignoro.
    Mas os meus ternos ais
    E as lagrimas que chóro
    Podem dizer o mais.

Benção

Quando, por uma lei da vontade suprema,
O Poeta vem a luz d'este mundo insofrido
A desolada mãe, numa crise de blasfêmia,
Pragueja contra Deus, que a escuta comovido:

— "Antes eu procriasse uma serpe infernal!
Do que ter dado vida a um disforme aleijão!
Maldita seja a noite em que o prazer carnal
Fecundou no meu ventre a minha expiação!

Já que fui a mulher destinada, Senhor,
A tornar inffeliz quem a si me ligou,
E não posso atirar ao fogo vingador
O fatal embrião que meu sangue gerou.

QUINTILHAS: _Offerecidas ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez do Lavradio_.

Se os Versos, que outra ora fiz
Escutastes prompto, e attento;
E se aos pés, que abraçar quiz,
Achou grato acolhimento
A minha Muza infeliz;

Dai-me benignos ouvidos
A outros, em dôr traçados,
D'arte, e de enfeite despidos;
Pela verdade dictados,
E a vós, Senhor, dirigidos;

Em louvores não os fundo,
Pois sei que sempre os pizastes;
E co'as mais acções confundo
As do tempo, em que tomastes
As rédeas do Novo Mundo;

*No Passeio Publico*

      A charanga transuda uma _gavotte_:
      Dois caturras discutem acirrados,
      E com bengalas corneas d'estoque
      Vibram politica em medonhos brados;

      Um coronel solemne, um D. Quichotte
      Exige a continencia d'uns soldados,
      E trauteando a polka da Mascotte
      Giram damas a passos alquebrados;

      As _lorettes_ com artes de raposa
      Perseguem os alferes; conjecturo
      Que não seja talvez p'ra boa cousa.

Tibio o sol entre as nuvens do occidente

Tibio o sol entre as nuvens do occidente,
Já lá se inclina ao mar. Grave e solemne
Vai a hora da tarde!--O oeste passa
Mudo nos troncos da alameda antiga,
Que á voz da primavera os gomos brota:
O oeste passa mudo, e cruza o atrio
Ponteagudo do templo, edificado
Por mãos duras de avós, em monumento
De uma herança de fé, que nos legaram,
A nós seus netos, homens de alto esforço,
Que nos rimos da herança, e que insultamos
A cruz e o templo e a crença de outras eras;
Nós, homens fortes, servos de tyrannos,

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