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LYRA XXIX.

O tyranno Amor risonho
Me apparece, e me convida
Para que seu jugo acceite;
E quer que eu passe em deleite
O resto da triste vida.

  _O sonoro Anacreonte_
(Astuto  o moço dizia)
_Já perto da morte estava,
Inda de amores cantava;
Por isso alegre vivia_.

  _Aos negros, duros pezares
Não resiste hum peito fraco,
Se Amor o não fortalece:
O mesmo Jove carece
De Cupido, e mais de Baccho_.

*No harem*

      No matiz do tapete auri-felpudo
      Haydé reclina as fórmas langorosas,
      Scismam d'inveja purpurina as rosas
      Admirando-lhe as faces de velludo.

      Modelo, que convida a obsceno estudo
      N'um desmaio entre gazes vaporosas
      P'las cassoulas de prata sumptuosas
      O ambar, o beijoim arde a miudo.

      Quando rompe nos ceus a madrugada
      Sentem-se beijos em lascivo espasmo
      Que illuminam a alcôva perfumada

AO SOL!

Oh maravilha esplendida engastada
      Na fronte augusta do azul profundo,
      Qual lamina brilhante onde gravada
      Se visse a face de quem fez o mundo,

      Eu te saudo oh Sol? qual religioso
      O Indio quando viu a vez primeira
      Surgir do mar teu facho luminoso
      E alegrar com a luz a terra inteira!

      Ah! quiz cantar o braço omnipotente
      Que por nós trabalhava a cada instante:
      E a terra, o mar, e quanto vive e sente,
      Apontou para Ti, astro brilhante!

Á LUZ

Oh Luz dourada e pura!
      Oh Luz, irmã do Amor!
      Espelho e formusura
      Da Alma do Senhor!

      Em ti eu vejo e abraço
      O author da creação,
      Soltando pelo espaço
      Explendida canção

      Meus olhos que te admiram,
      Bem como a Terra e os Ceus,
      Ao verem-te, sentiram
      O proprio olhar de Deus!

      O ceu, mal vens n'aurora,
      Mais alva que a alva lã,
      De purpura colora
      As faces de manhã!

ALVORADA

Algures brilha o sol no azul do firmamento,
      E expõe com resplendor das cousas o espectaculo!
      Aqui, na escuridão, o mundo é tabernaculo
      Onde os frageis mortaes descançam um momento!...

      Alem, o Sol incita o mundo ao movimento,
      Á lucta pela Vida, o esteio e o sustentaculo
      Desde o ser da Rasão ao minimo animaculo,
      Aqui, o somno esparse em todos novo alento!

Minha Culpa

A Artur Ledesma

Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém...

Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...

Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...

Magro, de olhos azuis, carão moreno

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Ignotus

Ninguem sabia ao certo quem elle era,
O bondoso pastor do presbyterio.
A terra onde nasceu? D'onde viera?

Eu vejo em tua bocca as pétalas vermelhas

Eu vejo em tua bocca as pétalas vermelhas
D'uma rosa de fogo aonde vão libar,
O mel das illusões, quaes timidas abelhas,
Uns velhos ideaes que em vão tento expulsar.

Dizer-me pódes tu de que ovulo espontaneo,
Tocado pelo sol, em mim poude nascer
Este bando cruel que dentro do meu craneo
Não faz ha muito já senão roer, roer?!

Ás vezes vôa ao largo; ás serras, ás campinas;
Remonta aos astros bons; torna a descer dos céos;
E volta a demolir as trémulas ruinas
Do templo onde crepita a luz dos dias meus!

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