louvo o milagre de existir quando me afasto das guerrilhas urbanas; quando me protejo da tristeza e do desencanto envolventes; quando abafo a deslealdade que há na conduta dos homens.
as cantigas amorosas que eu suprimi para enveredar pela razão... para que as fantasias nocivas não perturbassem os meus afazeres diários... para que a melancolia não prevalecesse no fulcro da minha existência...
as leituras que efetuei para ilustrar o meu pensamento... para expelir da alma tantas palavras imprudentes... tantos assuntos banais... tantos sermões angustiados... tantas desventuras geradas pela impiedade humana...
transbordo de ternura quando reparo na inocência duma criança: nas suas lágrimas de protesto e nos seus salubres enlaces protetores; nas suas posturas afetuosas que beliscam os juízos corrompidos das nossas vidas.
as histórias de amor fracassadas suscitam repulsa contra as misérias que elas contêm; contra os alvoroços que provocam; contra os seus grandes ódios que conduzem a terríveis desgraças.
quereria impedir os desígnios daqueles que propagam sermões que amestram as nossas consciências; que dirigem os nossos comportamentos triviais; que arremessam as nossas vidas para um pélago irracional.
combato as sociedades que amachucam o meu individualismo; introduzo-me nos seus eventos para os poder analisar; aparto-me das intrigas mundanas para circunscrever as fronteiras da minha rebeldia.
a realidade enclausura aqueles que pretendem transformar o mundo num gigantesco viridário; num lugar primoroso que retenha o melhor da natureza humana; que esprema o teor da existência através de imaculadas poesias.
observo a gente desalmada que empunha a navalha afiada da traição; que instala o mundo numa retorta fendida pelos numerosos artifícios que produz; que ostenta uma virtude deturpada pelos rituais da hipocrisia.
as utopias expandem os seus clamores pelos carris do progresso através de discursos grandiosos que propagam a mudança; que expulsam os dísticos antigos para criarem um universo melhor.