recolho a ternura que me circunda para odorar o mundo através dos meus discursos poéticos; através de conjeturas refutáveis que se engastam nas fúteis sociedades; que escapam à vigilância da trivial compreensão.
oiço praguejar nos locais excêntricos onde os misantrópicos se acoitam; onde contestam o fadário que os consome e os avilta; onde desde há muito que não choram porque as lágrimas abandonaram as suas desalentadas emoções.
amanhecerá
entre a penumbra de um dia e outro
o ruído do silêncio fazendo eco na madeira dos móveis
o criado-mudo tão mudo quanto antes
estático na sua velha roupagem de verniz vencido
— o tempo deixa marcas me disse, mudamente
— e eu que achava que não... sorri sardônicamente
silêncio lá fora. barulho lá dentro
o vento soprando as horas como se o tempo fosse vela
entre um silêncio e outro [o ruído do tempo]
esse barulho que não passa... virá de fora ou virá de dentro?
uso a arma da solidão para a brandir contra os energúmenos que a causaram; que introduziram no meu âmago o tédio e a repulsa; que me ludibriaram com os seus amplexos inconsistentes.
transfiro para os meus versos as deambulações pelos roteiros do mundanismo; pelas enxovias onde alentei a minha rebelião; pelos lugares desprezíveis onde não me precavi contra os meus inimigos.
ordeno os meus dilemas de acordo com a gravidade das lambadas que sofri; de acordo com as perturbações que acumulei quando me introduzi no mundo e nas suas questiúnculas usuais; quando escutei as suas ladainhas disformes.
evoluo através de vocábulos que ressoam no firmamento da poesia quando ultrapassam as minhas perturbações; quando silenciam os meus hipotéticos adversários; quando despertam o meu fervor; quando captam a essência do mundo que me torneia.
seja bem-vindo à janela ampla donde avisto os meus tormentos: siga os meus desregrados trilhos e repare na hediondez circundante: nas atuações execráveis daqueles que coagiram os meus sentimentos e inspiraram a minha poesia.
outorgo a virtude àqueles que fazem uma leitura ciente do mundo que impede os desenlaces tenebrosos; que inundam o quotidiano virulento com dísticos de fraternidade; que erguem uma pacífica ordenação com intuitos benignos.
considero que a mocidade está em nós quando asseveramos os nossos problemas duma forma transparente; quando somos projetados para a vala dos oprimidos e dela saímos energicamente; quando sobressaímos nas nossas vidas os vislumbres de candura.