Sem palavras

Há dias nos quais as palavras se recolhem. Hoje o tempo esfriou, e as poesias, como pétalas magnólias, atrofiaram-se entre si. Aconchegadas no sepulcro do silêncio, começo a perscrutá-las; nada de senti-las, é como se o inverno arranhasse meus dedos deixando-as livres de qualquer nomeação. Elas têm o direito de não se expressarem, e eu, poeta maldito, forço-as a saírem de mim. À parte delas, recolho-me à cama e volto a sonhar versos.

Ainda esperança

Eu sou pequeno como meu paladar
desmembro meu gosto angustiante
degustando pequenas
doses diárias de pão e fé
desconheço ainda
os sabores que a vida tem
eu sou o expectador desautorizado
a propagar esperança
minhas emoções são terceirizadas ao acaso
não quero asas , nem a companhia da passarada
porque meu brilho foi furtado
em vez de asas me presentearam com fardas
mandaram escolher dentre muitos combates, lutar

Casamento arranjado

Separamo-nos como joio e trigo.
Feito casaco a adornar todo o corpo,
vestindo das mãos aos pés, me intrigo:
grudados, mas a mim, tornou-se estorvo.

A aliança afirmando compromisso
é similar ao olho negro dum corvo:
fita a pele da caça, e seu inimigo
estará à mostra o coração e o torso.

O que tornamo-nos? Romeu e Julieta?
Um par de roedores, porco-espinho
mas sem espinho de porco ou de vespa.

ANSEIO

 

 

 

 

eu nunca ignorei os tropeços

que me ergueram do solo

 

eu nunca desejei uma glória

que não fosse conquistada

 

eu nunca cultuei ilusões

sem prévia reflexão

 

eu nunca lancei impropérios

contra minha própria sorte

 

eu nunca mudei de endereço

para não negligenciar meus desígnios

 

e o que me sustém de fato

é um excelso anseio de viver

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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