Ela e a sombra

 
 
A figura no espelho, nebulosa,
Sombra leve, imensamente sombria
Carregando ilusão, nervosa,
Farta de se ver assim; sombra fria.
 
Ela sabia que se via apenas no passado...
Os olhos iludidos, no espelho mergulhando
Recresciam num olhar alucinado
Na sombra triste que ria soluçando.
 
Ela e a sombra estendiam os braços,
Tentavam tocar as pontas dos dedos
Mas na diferença do tempo, cresciam espaços,
Espaços negros cobertos de segredos.
 
O olhar crescia em direcção ao espelho
Tentando ver o presente na imagem fria
Mas o reflexo trazia aquele olhar velho
Da sombra do nada, que nada dizia.
 
Num instante, ela decidiu renascer
E vida à sombra foi concedida;
Aquele olhar velho passou a ver...
Passou a viver, a sombra abatida.
 
Fernanda R. Mesquita
 
 

Lírios Pretos

lírios pretos
giram em torno de mim
esculpindo um código
com a sua dança inebriante.
 
um padrão por descobrir
desperta da sua hibernação
e salta da superfície da terra.
 
imagens metamórficas
deixam a sua cova
na simplicidade de um rascunho.
 
lírios pretos
fazem despertar em mim
o lado obscuro do meu ser.
 
lírios pretos.

Tempo de súplica

Desatei às portas da noite
 
o nó de meus nómadas
 
arredores vadios
 
contornei as ânsias
 
no espaço livre que me ofereces
 
 
   Enlacei este dia
 
com fios de vida acorrentados
 
à fome que alimenta a fartura
 
de tantos desejos insânos
 
 
  Soltei as rédeas
 
em cada verbo mais livre

Os teus lindos olhos (de mãe)

Os teus olhos lindos

Linda menina de outrora
mulher à pressa de sorriso tímido
teus olhos de verde esperança
e o regaço de mãe quase criança.

E os teus olhos agora!

De raios azul destino adormecido
passaram para a ponta dos dedos
os teus olhos, esse olhar amigo
e os afagos de outrora
que atenuam os nossos medos.

E os teus olhos agora olham comigo.

001

na cadeira do velho relvado,
chá com sol,
leituras de romance em romance.
 
até o sol cair como uma moeda na fenda da terra.
 
lembra-me o verão
pirâmide de luz
 
corpos amarrados
queimavam ao sol laranja
escondendo os halos
com a pele gretada destes lábios.
 
figuras a fumar
fecha os olhos
parte.

Sos

A solidão por vezes fortalece um coração arruinado.
A tristeza de querer ficar tão só nao nos consegue acalmar a alma, não  nos consola de gratidão, a que outrora prestamos.

Há em mim

Há no céu tanta
 
ânsia cativa em movimentos
 
extasiados
 
tantas tranjetórias frenéticas
 
desenhadas na maciês deste
 
constante devaneio afluindo à tona
 
em noites vestidas de purpura
 
num poema trajado de olímpicas quimeras
 
onde nasce o dia grisalho
 
tatuado em bálsamos musicados
 

Em trânsito...

Desabotoei de mansinho
 
as cores e o destino que desvanece
 
na tarde
 
lembrando o contorno de cada palavra
 
ouvida e sentida nas preces errantes
 
 
– Decorei um mundo de
 
perguntas que nunca fiz
 
arrastando as horas
 
até ao declive onde morre o tempo
 
elaborei todas as respostas
 

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