Depois do Atlântico

Depois do Atlântico

 

Já conheço os passos dessa estrada, e não vou atravessar aquela velha ponte em ruínas. Vou cruzar uma represa a nado, é mais seguro e só dependo de mim mesmo. Então nos separamos, e eu tive que nadar um oceano. Mas cheguei lá, bem depois do oceano. Onde existe apenas o sol e o Atlântico.

Charles Silva

Rimbaud escrito opium

De qual África apareceste? De nenhum navio o vi pular nesta terra que nunca te acolheu, mas tenho em ti as mesmas insônias de absinto e ópio quando mato o repente ou na hora que dorme o silêncio nas palmas de deus. Pise estas ripas trêmulas folheando aquele pequeno poemeto de desequilíbrio no desregramento, para que após teu declame eu possa soletrar a minha poesia, feita de faces de quem nasceu errado, não sendo para o mundo, sendo amparo mudo da dor que tu botas-me.

Palavras do Poeta

Foi naquela uma hora de dia qualquer
Que a poesia foi incapaz de perdoar tal palavra.
Seus soluços voavam como pluma
Enquanto a pele chorava triste,
Sem coragem
Como mar em ressaca nas areias nubladas...
Deveria ousar o sofrido
Deveria assoprar mais o fino gemido,
Mas poemas assim gritam em fúria tanta,
Com ódio e assassinos...

Ouviu-se o lamento tangível da frase,
Outra prece veio
De nada adiantou.

Poema da página em branco

* * * *

Fito desolado o papel em branco...
Sem nada para ver,
Sem nada para sentir…

É duro querer escrever
E a palavra recusar-se a sair!...

Em abono da verdade,
Até a caneta parece estar sem vontade
De acorrer ao apelo do papel.

O cérebro não está cá
E todos os meus sentidos
Estão como que entorpecidos.

A boca áspera sabe a fel
E as pernas estão dormentes,
De tanto esperarem nada.

Até a música me deixa indiferente
Nesta tarde gentia,
Danada
De fria!

Quando o perfume da Primavera

«Quando o perfume da Primavera
Tanto é do ar do meu coração
As estações da vida são todas
Só o meu amor…
E o cristalino do existir
Tem todo
O mar do teu olhar
E os únicos rumos dos meus barcos
São todos só a tua baía
E o sol da minha areia- corpo
Vive só da espuma- sal das tuas ondas
Do teu vaivém de vagas crespas
Que se amenizam no colo doce
Do regaço que te dou…»

(RMP)

(in Um Amor que vence Chronos)

(Des)fim

«(Des)fim

Loucura de ser do teu nome as vogais
Vertigem de ter no teu corpo todo o sal
Alívio suave de viver na água do teu olhar
Rasgo perene de, em ti, apagar a mediocridade
Frescura do segredo, no desejo das tuas searas
Seara loura que incendeio no teu corpo
Sede. Sede que o teu azul não apaga
Fome. Fome de nós dois no atalho para a alma
Alma, Alma que é tão imensa…
Fome e Alma, Corpo e Sede
Existir em nós que nunca terá
Fim.»
(RMP)

Se de nós o tudo sabemos tão pouco

«Se de nós o tudo sabemos tão pouco
Se dos outros o nada é tão feroz
Se da Vida queremos tanta Luz
Amar é sempre este risco
Esta intensa incerteza
De nunca saber os tons reais
Do fosco baço
Do entre-estar e Ser»

(RMP,
in Um Amor que vence Chronos)

CRISTALIZO EM MIM

«Cristalizo em mim
O viver poetizando,
Recordando sentimentos,
Perdidos por entre os fios da memória...
Organizo ficheiros recalcados
Sobrevivendo à minha história...

Edito o ser. O sentir. O coração.
Dito a emoção, vencendo a razão.
Imagino um utópico devir,
Torturo este trauma de sempre ter de Partir.
Olho-me, reolho-nos, reinvento-te...
Recrio Vida, recomeço livre,
Admiro-te e reentrego-te o Sorrir!»

(RMP)

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