Átropos, Minha Belladonna

I

Belladonna, minha dona bela!
Que em ti trazes o doce veneno
De uma trágica morte amarela.
(Salvação do meu viver pequeno...)

Tu, bela, que nas sombras moras
E quase sempre o sol evitas,
Deixa-me comer tuas amoras
Embriagar-me com as pepitas!

Anda ter comigo, ó Belladonna
Que o destino uniu-nos sem igual!
Não t'armes comigo em primadonna,
Quero a libertação deste mal!

Dilata-me as pupilas,
Que te eu quero ver melhor!
Amansa-me estes espasmos,
Deste persistir com dor...

Ambiguidades

Vivo a minha parca vida
Em sobressaltos e solavancos
Tenho os sentimentos mancos
E a consciência entorpecida

Pois aquando me alegro
Não tarda o desengano...
Sinto o cerrar do pano
Da minha felicidade.

Mas porque? Se ainda
Nem sinto o peso da idade...
Haverá uma razão
Para tal ambiguidade?

Soneto Esquizóide

Desperta a primaveril nostalgia,
Após longos e chorosos dias
De densa, tão cinzenta invernia
De fazer finar em noites frias.

Brilha-me o sol nos olhos, agora.
Momentaneamente esqueço as vis horas
Em que o meu ser sempre se demora
E tarda a sair, sem vislumbrar melhoras.

Oh bipolaridade nefasta que me corrompes!
Que a mim me trancas em negros pensamentos
E só por vezes levas à rua beber das fontes!

Ébrios

O Mundo gira e gira, e volta a girar
Dá mais uma volta, não pode parar
Nós, os ébrios, aqui nos quedamos
Por sermos tão loucos, às vezes erramos

Se o que nos move, ao chão nos agarra
Prefiro o imóvel àquilo que amarra
Prefiro a desgraça ao som da toada
Ao menos sou livre e não tenho nada

Fixos aqui, o mundo observamos
Entorpecidos no acumular dos anos.
Inertes, apáticos, algures perdidos
Não nos mexemos... Contemplamos!

Alors, On Y Va?

Excusez-moi, Mademoiselle, mas...
Dê-me a sua mão, venha pular mundos comigo
Não se inquiete com o que pensam os outros
Deixe essa monotonia enfadonha para trás
Seja a cobra que muda de pele pela nova estação
Venha comigo desenterrar tesouros ao fundo do arco-íris.
Quer dizer, afinal de contas o mundo não é assim tão cinzento
Também nos será permitido gozar-lhe as cores de quando em vez.
"Tem dias... Isto já não sai é da cepa torta", dirá você
A fazer lembrar um velho do Restelo com o qual nos cruzaremos,

Aqui Jaz Uma Vida

E quando aqueles dia há
em que nos encontramos perdidos,
sem nada que nos entretenha
ou nos ocupe o pensamento?
Nessas alturas apraz-me fumar
orgulhosamente um ocioso cigarro,
com a desculpa ilusória de que mata
a pasmaceira em que ando submergido.
Saco, delicadamente, o palito nicotínico
enquanto exclamo aos meus botões:
"Mais um prego para o caixão!"
Com a outra mão estalo a tampa do zippo,
Mola aguda que, simultaneamente, me estala o pensar
com a consciência da finitude irrevogável.

Minudências

Estendo-me ao comprido na cama.
Tenho a alma caquéctica e
Há um pesar demasiadamente familiar
Que se me vai acometendo.
Sinto o peito a colapsar
Nesta manhã de melancolia invernal
Como de outra não há memória.

Ponho a música a tocar.
Nascem etéreas melodias depressivas
Suspensas no ar rarefeito
Cada vez mais insuportável de respirar.
Penetram-me as notas dessas harmonias,
Pesadas e graves, nos ouvidos dolorosos,
Comprimindo o meu intimo a uma lágrima.

Fado / Fardo / Foda-se

Calminha, coração...
Vai com calma,
não te exaltes!
Que é que se passa?
Pensas que é por ti
que o mundo vai parar?

O mundo nunca pára,
seja por quem for,
muito menos por ti,
um ignóbil rastejante
que reptila as suas mágoas
à espera da pena alheia...

És um triste!
Faz-te um homem,
ainda vais a tempo.
Mas achas mesmo
que há alguém que se vai
dignar a esperar por ti?

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