*MADRIGAL DA RUA*

Ó irmã das açucenas!
Meu coração é um horto,
Semeado de mais penas
Que as chagas d'um Christo morto.

Tanto é ver-te o meu desejo!
Tanto em mim poder conservas!
Que eu creio se não te vejo
Já ser debaixo das hervas!

..........................................

Debaixo d'essas janellas
Sempre crueis e fechadas,
Hontem á noute, ás estrellas,
Deram-me quatro facadas!

Mas nenhuma fez no peito
O mal,--que por minha cruz!
Os teus olhos me tem feito
Dando facadas de luz!

Ao Excellentissimo Senhor D. Lourenço de Lima...

_Ao Excellentissimo Senhor D. Lourenço de Lima, tendo promettido ao A.
que quando chegasse das Caldas, havia lembrar a mercê de se imprimirem
estas Obras_.

CARTA.

Ora do cume dos Montes,
Ora em suas verdes fraldas,
Hia estender os meus olhos
Na longa estrada das Caldas;

Sobre escumozos cavallos
Trotando empoada sege,
Disse quem fez os meus versos
=Ahi vem quem os protege;=

Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez, de Ponte de Lima, Ministro de Estado...

_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez, de Ponte de Lima,
Ministro de Estado, pedindo-lhe o A. licença para ir ao remedio de
banhos, na occazião em que o mesmo Senhor se tinha encarregado de lhe
promever a mercê de se imprimirem as suas Obras na Officina Regia_.

CARTA.

Senhor, entreguei meu livro;
Foi esse filho mesquinho
Co'a esteril benção do Pai
Lançar-se aos pés do Padrinho;

Dei-lhe em dote inuteis rimas,
Dei-lhe vazio thezoiro;
Mas vossas mãos milagrozas
Convertem nadas em oiro;

O PASSEIO DE SANTO ANTONIO

_A Columbano_

     La fleur des traditions nationales est flétrie. Mais libre a tous
     de puiser, dans l'herbier cosmopolite des legendes, les admirables
     pretextes à fiction qu'il recèle.

    (_Litterature à Tout á L'Heure_.)

Sahira Santo Antonio do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um candido sermão sobre o peccado.

Sonhei esta noite que te trazia a Primavera aos dias

Sonhei esta noite
que te trazia a primavera aos lábios...

(E esta noite
não mais foi
do que
qualquer
uma
que podia ter sido
qualquer uma das outras)

Sonhei que terias na voz
um esquecimento
qualquer
uma palavra que porventura
te tivesse ficado por dizer

Mas eis-me de volta aos dias
sem varandas
sem esperas

DUVIDA

Amas-me a mim! Perdôa;
    É impossivel! Não,
    Não ha quem se condôa
    Da minha solidão.

    Como podia eu, triste,
    Ah! inspirar-te amor,
    Um dia que me viste,
    Se é que me viste... flôr!

    Tu, bella, fresca e linda
    Como a aurora, ou mais
    Do que a aurora ainda,
    Mal ouves os meus ais!

    Mal ouves porque as aves
    Só soltam de manhã
    Seus canticos suaves;
    E tu és sua irmã!

*Ao Canto do Lume*

Novembro. Só! Meu Deus, que insupportavel mundo!
    Ninguem, viv'alma... O que farão os mais?
Senhor! a Vida não é um rapido segundo:
Que longas horas estas horas! Que profundo
    Spleen o d'estas noites immortaes!

Faz tanto frio. (Só de a ver me gela, a cama...)
Que frio! Olá, Joseph! bota mais carvão!
E quando todo se extinguir na aurea chamma,
Eu botarei (para que serve? já não ama...)
As cinzas brancas, meu vermelho coração!

*FARÇA TRISTE*

Je suis son pére.
     (Flaubert)

Ninguem diria ao certo a edade que teria!
Era um velho devasso e histrião--bom guia
Para mostrar de noute, aos baços candieiros,
As casas de bordeis aos velhos estrangeiros.

Encontravam-o sempre a errar, imbecilmente;
Era alto, magro, hostil, e dava-se á aguardente--

Tinha um certo tremor em todo o corpo--o vinho
Dava-lhe um rir constante; tinha o sorrir mesquinho
E dubio que nos faz arrepiar mau grado;--
Fôra mendigo e actor, ladrão, bobo e soldado.

Pages