Last poem
Autor: Alberto Caeiro on Tuesday, 11 December 2012
Ditado pelo poeta no dia da sua morte (1920?).
É talvez o último dia da minha vida.
Ditado pelo poeta no dia da sua morte (1920?).
É talvez o último dia da minha vida.
De Julio Forni
Hãode dizer-me--Insensatos!
Que tenha novos amores,
Que brilham já outros soes,
De novo se abrem as flores
E é o tempo dos rouxinoes.
E dirão inda depois:
Que a primavera começa,
E andam aromas no ar,
Que nos sobem á cabeça,
Como um vinho singular.
E eu dir-lhes-hei: Que m'importa!
Faz frio, fechem-me a porta!
--Ella, o meu bem, meu abrigo,
Levou, desde que está morta,
A Primavera comsigo!
Meu casto lirio,
Terno delirio,
Gloria e martyrio
Do meu amor!
Amo-te como
A haste o gomo,
O labio o pomo
E o olho a flôr.
Se ao meu ouvido
Sôa um rugido
Do teu vestido,
Que ouço roçar;
Que som me vibra
Não sei que fibra
Que me equilibra
A mim no ar!
RESPOSTA
A A. DO QUENTAL
Tal é a confiança que te inspira
Estes reis, estes povos, esta gente,
Que é para o céo que appella e se retira
Tua alma já de triste e descontente.
Mas Deus então seria ou impotente
Ou seria um Deus barbaro: mentira!
Não póde suspirar eternamente
Quem ha já tantos seculos suspira.
Vai ganhando terreno a luz brilhante,
Luz toda liberdade e toda amor
Que ha-de salvar o mundo agonisante.
--Ó sol! ó sol! ó sol! poente de vinho velho!
Enche meu copo de S. Graal (deu-m'o a ballada...)
Ó sol de Normandia! Occidente vermelho,
Tal o circo andaluz depois d'uma toirada!
--Vos sois extrangeiros, vos sois extrangeiros,
Ó poentes de França! não vos amo, não!
--Ó sol, cautella! já a noite se avizinha
O Padre-Oceano vae, em breve, commungar:
Ó hostia vesperal de vermelha farinha,
Que o bom Moleiro móe, no seu moinho do Ar!
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Senhor, co'as minhas Poezias
Festejava os annos teus;
Porém mandão já os meus,
Que eu venha co'as mãos vazias;
Geladas madeixas frias
Fechão do Parnazo o passo;
Pois que já o Tempo escaço
Esfriar meus Versos quiz,
Quem me acceitou os que fiz,
Me agradeça os que não faço.
O dono miseravel da locanda
O _brocanteur_ terrivel, sanguinario
Agonisa n'um catre solitario
D'uma alcova minuscula, execranda.
Affinca as mãos convulso n'um rosario,
Ao ceu a vida, supplice, demanda,
N'uma imagem de Christo veneranda
Crava os olhos de abutre, de corsario.
Pois apesar das lagrimas-remorsos
Das victimas do seu medonho trama
Ruins phantasmas de lividos escorços.
Se eu fosse rei, Senhora, n'este dia
O pagem mais gentil da minha côrte,
Como tributo d'amisade, iria
A esses pés miniaturaes depôr-te
Um brinde sem rival, d'alta valia;
Mas sabes bem que não sou rei. De sorte
Que não pode ir, como eu desejaria,
O pagem mais gentil da minha côrte
Offerendar-te joias de valia.
Em vez do brinde, mando todavia
Um ramo de lilazes e cecens.
E pelo pagem loiro, alvinitente,
Mando, Senhora minha, unicamente
Este soneto a dar-te os parabens.