O MOSTEIRO DA BATALHA
Autor: Soares de Passos on Saturday, 15 December 2012
Escrito em 20-6-1929
Não tenho pressa: não a têm o sol e a lua.
Ninguém anda mais depressa do que as pernas que tem.
_A João Barreira_
	«Em Evora vi um menino...
	...Que a dois annos não chegava
	...Era de maravilhar»...
Garcia de Rezende. _Miscellanea._
	Num convento solitario
	D'Evora, cidade clara,
	Claro celleiro de pão,
	Existe uma imagem rara
	Obra dum imaginario
	Dos tempos que já lá vão...
	É um menino Jesus,
	De bochechinha brunida
	Côr de maçã camoeza,
	Mas no seu rosto transluz
	Uma expressão dolorida
	Que enche a gente de tristeza...
Acredito que estou no inferno, portanto estou nele.
Se é doce no recente, ameno Estio
	Ver toucar-se a manhã de etéreas flores,
	E, lambendo as areias e os verdores,
	Mole e queixoso deslizar-se o rio;
	Se é doce no inocente desafio
	Ouvirem-se os voláteis amadores,
	Seus versos modulando e seus ardores
	Dentre os aromas de pomar sombrio;
	Se é doce mares, céus ver anilados
	Pela quadra gentil, de Amor querida,
	Que esperta os corações, floreia os prados,
Cahe a folha da rosa pudibunda,
	    Cahe a rosa da face virginal,
	    Cahe das nuvens a aguia moribunda,
	    Cahe o sol na montanha occidental.
	    Cahe a onda na praia, cahe do somno
	    O poeta na luz; e cahe das mãos
	    Dos despostas o sceptro, elles do throno,
	    Como a seus pés cahiram seus irmãos!
	    Cahe dos labios o riso; cahe dos olhos
	    A lagrima tambem, que d'alma sahe;
	    Cahe a rocha no mar, cahe nos abrolhos
	    A flôr de liz; de louro a folha cahe.
N'aquellas altas janellas
	Que deitam para o telhado;
	Eu vejo-o sempre encostado,
	A namorar as estrellas.
	Tem assim ares d'empyrico
	Mui lido em philosophástros;
	É um pobre poeta lyrico,
	Que escreve cartas aos astros.
	Traz luto nos seus vestidos
	Por uma Ophelia de menos,
	Tem uns cabellos compridos,
	E uns olhos tristes, serenos.
	Parece um Jove proscripto,
	E já descrente das Ledas,
	Conhece o hebraico, o sanscrito
	E os livros santos dos Vedas.
N'um rio virginal d'agoas claras e mansas,
	Pequenino baixel, a santa vae boiando...
	Pouco e pouco, dilue-se o oiro das suas tranças
	E, diluido, ve-se as agoas aloirando.
	Circumda-a um resplendor, a luzir esperanças,
	Unge-lhe a fronte o luar, avelludado e brando,
	E, com a graça etherea e meiga das crianças,
	Formosa Iria vae boiando, vae boiando...
	Á lua, cantam as aldeãs de _Riba-Joia_,
	E, ao verem-na passar, phantastica barquinha,
	Exclamam todas: «Olha um marmore que aboia!»
      N'uma _soirée_ heroica, ignea e linda
	      Jurára o fulvo Arthur até á morte
	      Ser da formosa e pudibunda Olinda
	      Chumbando a ella p'ra sempre a sua sorte.
	      Por ella ao inferno iria, o mar ainda
	      Beberia d'um trago! Ella é seu norte,
	      Meiga estrella de lucido transporte,
	      Palpitante de rubra graça infinda.
	      De manhã cêdo a nossa _Julieta_
	      Desce nas crespas vagas a banhar-se
	      Mascarada n'um fato de baeta