Dispersão

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

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Cantares

(A RAMIRO DE FIGUEIREDO)

A triste viuvez tua,
Creança de olhos suaves,
Lembra-me as noites sem lua,
Lembra-me os ninhos sem aves.

Tão bonita e sem amores,
Á minha mente recordas
Uma jarra sem ter flores
Um bandolim sem ter cordas.

Oh meiga rôla sem par,
Á phantasia revelas
Uma barca em pleno mar
Sem ter leme e sem ter velas.

Moreninha idolatrada
Que o loiro Amor não seduz,
És como estrella apagada
És como um astro sem luz;

Á MULHER

      Senhor da Força, nós, o heroe lendario,
      Da Terra o domador, o sabio, o forte,
      Dir-se-ia que jurámos ante a morte
                  Guerra d'irmão a irmão!...
      Mais féros do que os tigres, destruimo-nos
      A ferro, a fogo, a polvora, a metralha,
      Deixando, pelos campos de batalha,
                  O sangue, a assolação!...

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*A TERRA*

Fecundarás a terra com o suor do teu rosto.

Cavae, eternamente, a velha terra!
Soffrei, suae, gemei na dura enxada,
Fecundae-a na paz ou pela guerra,
Quer seja pelo arado ou pella Espada,

Ó Homem! trabalhar é tua herança
Até que a Morte, emfim, grite--descança!

É a Arvore a tua companheira
O lar, a tenda, a sombra de teus passos,
Da tua amante a perfumada esteira,
Como bençãos t'estende os longos braços!

E ou seja em teu inverno, ou teu estio,
E teu berço, teu leito, e teu navio!

O Sr. Abbade

Quando vem Junho e deixo esta cidade,
Batina, _Caes_, tuberculozos céus,
Vou para o Seixo, para a minha herdade:
Adeus, cavaco e luar! choupos, adeus!

Tomo o regimen do Sr. Abbade,
E faço as pazes, elle o quer, com Deus.
No seu direito olhar vejo a bondade,
E ás capellinhas vou ver os judeus.

Que homem sem par! Ignora o que são dores!
Para elle uma ramada é o pallio verde,
Os cachos d'uvas são as suas flores!

D. João nos Infernos

Quando D. João baixou ao pélago sombrio,
E pagou a Caronte o óbulo supremo,
Um mendigo soez, de olhar sereno e frio,
Com pulso rijo e forte agarrou cada remo.

Mostrando os peitos nus, as túnicas rasgadas,
Criaturas feminis, convulsas, flagelantes,
Como um longo cordão de ovelhsa imoladas,
Seguiam atrás d'ele, em choro, soluçantes

Esganarelo, a rir, pediu lhe o seu dinheiro,
Ao passo que D. Luis, com a trêmula mão,
Mostrava, a toda a grei d'aquele cativeiro,
O filho que zombou das cans do ancião

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