ANHELOS
Autor: Soares de Passos on Friday, 16 November 2012
Musa do meu amor, ó principesca amante,
Quando o inverno chegar, com seus ventos irados
Pelos longos serões, de frio tiritante,
Com que has de acalentar os pésitos gelados?
Tencionas aquecer o colo deslumbrante
Com os raios de luz pelos vidros filtrados?
Tendo a casa vazia e a bolsa agonizante
o ouro vais roubas aos céus iluminados?
Precisas, para obter o triste pão diário,
Fazer de sacristão e de turibulário,
Entoar um Te-Deum, sem crença nem favor,
Meu Amigo, duro Amigo,
Fatal, rígido Banqueiro,
Motivo dos meus pezares,
Herdeiro do meu dinheiro;
Em taes termos me deixaste,
Que sou deste rancho o nôjo;
E co'as lagrimas nos olhos
Parto para o Varatojo;
Por ti filho da pobreza,
Irei ser naquelle mato,
Qual foi São Sebastião,
Não na vida, mas no fato;
Vai tu seguindo a fortuna,
E leva a bandeira alçada,
De tarde na laranginha,
A' noite na Arrenegada;
(Fallecido a 1 de junho de 1882.)
É morto o _condottiere_, o paladino
Soldado da rasão e da justiça
Forasteiro, que o sangue desperdiça
Nas refregas do tragico destino.
Genio do bem, suave e peregrino
Estatua de luz e amor toda massiça
A cujo aspecto a multidao submissa
Se agrupa em alvoroço repentino,
Guerrilheiro da America indomavel
Espada de Dijon, e da Marsalla,
De Napoles e Roma inconsolavel!
Não há outro pecado além da estupidez.
Oh estações, oh castelos!
Que alma é sem defeitos?
Eu estudei a alta magia
Do Amor, que nunca sacia.
Saúdo-te toda vez
Que canta o galo gaulês.
Ah! Não terei mais desejos:
Perdi a vida em gracejos.
Tomou-me corpo e alento,
E dispersou meus pensamentos.
Ó estações, ó castelos!
Quando tu partires, enfim
Nada restará de mim.
Ó estações, ó castelos!
Mais alto, sim! mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se não encontra! Aquela a quem
O mundo não conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdém!
Mais alto, sim! Mais alto! A Intangível!
Turris Ebúrnea erguida nos espaços,
A rutilante luz dum impossível!
Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher!
Aquela fera humana que enriquece
A sua presunçosa tirania
Destas minhas entranhas, onde cria
Amor um mal que falta quando cresce;
Se nela o Céu mostrou (como parece)
Quanto mostrar ao mundo pretendia,
Porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte se enobrece?
Ora, enfim, sublimai vossa vitória,
Senhora, com vencer-me e cativar-me;
Fazei dela no mundo larga história.
Pois, por mais que vos veja atormentar-me,
Já me fico logrando desta glória
De ver que tendes tanta de matar-me.
Tu, vã Filosofia, embora aviltes
Os crentes nas visões do pensamento,
Turvo clarão de raciocínios tristes
Por entre sombras nos conduz, e a mente,
Rastejando a verdade, a desencanta;
Nem doloroso espírito se ilude,
Se o que, dormindo, creu, crê, despertando.
Até no afortunado a vida é sonho
(Sonho, que lá no fim se verifica),
E ansioso pesadelo em mim, que a choro,
Em mim, que provo o fel da desventura,
Desde que levantei, que abri, carpindo,
Os olhos infantis à luz primeira;
A mãe, que em berço dourado
Pôs teu corpo cristalino,
É sup'rior ao Destino,
Depois de te haver criado.
Quando Amor, o Nume alado,
Tua infância acalentou,
Quando os teus dias fadou,
Minha Lília, minha amada,
A mãe ficou encantada,
A Natureza pasmou.