Bendito seja o mesmo sol em outras terras
Autor: Alberto Caeiro on Friday, 23 November 2012
Bendito seja o mesmo sol de outras terras
Que faz meus irmãos todos os homens
Porque todos os homens, um momento no dia, o olham como eu,
Bendito seja o mesmo sol de outras terras
Que faz meus irmãos todos os homens
Porque todos os homens, um momento no dia, o olham como eu,
Ah, és tu diabo?...
	     (Lenda mouacal)
	Luthero, o frade austero e macilento,
	Encontrou a Satan dormindo um dia,
	N'uma rua d'Erfurt, á ventania,
	Envelhecido, calvo e vinolento.
	Dorme! gritou-lhe o frade... a teu contento,
	Guloso Pae da Indigistão, da Orgia!
	Renunciaste as lições de theologia,
	Ó velho corvo mau do Firmamento?!
	O mundo como tu é calvo e velho;
	A Egreja é o lupanar do Evangelho;
	E tu ó ébrio, gulotão, descanças!?...
Poveirinhos! meus velhos pescadores!
	Na Agoa quizera com vocês morar:
	Trazer o lindo gorro de trez cores,
	Mestre da lancha _Deixem-nos passar_!
	Far-me-ia outro, que os vossos interiores
	De ha tantos tempos, devem já estar
	Calafetados pelo breu das dores,
	Como esses pongos em que andaes no mar!
	Ó meu Pae, não ser eu dos poveirinhos!
	Não seres tu, para eu o ser, poveiro,
	Mail-Irmão do «Senhor de Mattozinhos»!
Homem livre, o oceano é um espelho fulgente
	Que tu sempre hás de amar. No seu dorso agitado,
	Como em puro cristal, contemplas, retratado,
	Ter íntimo sentir, teu coração ardente.
	Gostas de te banhar na tua própria imagem.
	Das-lhe beijo até, e , às vezes, teus gemidos
	Nem sentes, ao escutar os gritos doloridos,
	As queixas que ele diz em mística linguagem.
Minha Marilia,
	Tu enfadada?
	Que mão ousada
	Perturbar póde
	A paz sagrada
	Do peito teu?
	  Porém que muito
	Que irado esteja
	O teu semblante
	Tambem troveja
	O Claro Ceo.
	  Eu sei, Marilia,
	Que outra Pastora
	A toda a hora,
	Em toda a parte,
	Céga namora
	Ao teu Pastor.
	  Ha sempre fumo
	Aonde ha fogo;
	Assim, Marilia,
	Ha zelos, logo
	Que existe amor.
    Em fumo se vai tudo, amigo! Olhando
	    Para as nuvens do céo, nuvens d'aquellas,
	    E parece-me ainda que mais bellas,
	    Anda a gente fazendo e desmanchando.
	    Dá-me uma saudade em me lembrando
	    O bello tempo que passei com ellas,
	    Por essa immensa abobada de estrellas,
	    Por esse mar de fogo viajando...
	    Andasse ainda eu lá, que não me havia
	    De vêr por estes charcos atolado,
	    Onde nem sol nem lua me alumia.
Hum humilde admirador
	Da vossa bondade, e estilo,
	Beija a Carta precioza,
	Que veio honrallo, e instruillo;
	Desde hoje, do Mestre Horacio
	Minha alma a lição escuza;
	Quiz a minha Bemfeitora
	Ser tambem a minha Muza;
	De fino licor mandastes
	A minha cava prover;
	A vossa mão generoza
	Sabe dar, como escrever;
	A' parca meza assentado,
	Em Vinho, e Carta pegava;
	Hia bebendo, hia lendo,
	E tudo me embebedava;
_1814_
	      Vae rir-se desdenhosa a sombra de _Pombal_!
	      Era doida a rainha. O principe regente
	      Ostentando gentil a bochêcha eloquente
	      Tinha bom appetite e ventre clerical,
	      Mas logo que Junot açaima Portugal
	      Embarca a toda a pressa e deixa a nossa gente,
	      Panda véla o conduz ao Brasil florescente,
	      E rapido imagina um plano theatral.
	      Veloz como no monte a trepida gazella,
	      É certo resguardava a insipida pessoa
	      Adiposa e feliz para cingir a c'rôa,
Poemas são como vitrais pintados!
	Se olharmos da praça para a igreja,
	Tudo é escuro e sombrio;
	E é assim que o Senhor Burguês os vê.
	Ficará agastado? — Que lhe preste!...
	E agastado fique toda a vida!
	Mas — vamos! — vinde vós cá para dentro,
	Saudai a sagrada capela!
	De repente tudo é claro de cores:
	Súbito brilham histórias e ornatos;
	Sente-se um presságio neste esplendor nobre;
	Isto, sim, que é pra vós, filhos de Deus!
	Edificai-vos, regalai os olhos!