Geral

MALMEQUER

    Talvez em eu morrendo a teus ouvidos
    Chegue a noticia, que hoje os factos vôam,
    E oiças então os intimos gemidos
            Que exhalo e te não sôam.

    Talvez então, embora me não ames,
    Com esses olhos humidos de fito
    Na minha sombra: «Desgraçado! exclames;
             Amava-me, acredito.

    «Levou a vida amando-me: que prova
    Me podia alguem dar de mais ternura,
    Ingrata como eu era! Abri-lhe a cova,
            Cavei-lhe a sepultura!

*PHANTAZIA D'UM ABORRECIDO*

Eu vivo só das multidões distante,
E tenho um tom solemne grave e emphatico,
Amo Flaubert, Gostavo Droz e Dante,
Sou mysanthropo, hysterico e limphatico.

Sou phantastico, altivo, e caprixoso,
E tenho uns paradoxos meus protervos...
E entre elles conto um livro volumoso...
Em que explico o Remorso pelos nervos.

..........................................
..........................................

Lisbon Revisited

NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.

Á LISBOA DAS NÁUS CHEIA DE GLORIA

I

    Lisboa á beira-mar, cheia de vistas,
    Ó Lisboa das meigas Procissões!
    Ó Lisboa de Irmãs e de fadistas!
    Ó Lisboa dos lyricos pregões...
    Lisboa com o Tejo das Conquistas,
    Mais os ossos provaveis de Camões!
    Ó Lisboa de marmore, Lisboa!
    Quem nunca te viu, não viu coisa boa...

II

*NOVA BALLADA DO REI DE THULE*

N'um paiz nada visinho...
Em Thule até mui distante,
Houve outr'ora um rei farçante,
Um rei amigo de vinho.

Quando sua amante fiel
Mimosa e cheia de graça,
Morreu, deixou-lhe uma taça
Que semelhava um tonel.

Era tamanha a grandeza
Da taça que nada iguala!
--Ficava sempre ao esgotal-a,
El-rei debaixo da mesa.

Quasi sempe ao lusco-fusco,
De noute, até horas mortas,
Folgava, as pernas já tortas,
Este rei velho e patusco!

Pages