Geral

O Tonel do Rancor

O Rancor pe o tonel das Danaidas alvíssimas;
A Vingança, febril, grandes olhos absortos,
procura em vão encher-lhes as trevas profundíssimas,
Constante, a despejar pranto e sangue de mortos.

O Diabo faz-lhe abrir uns furos misteriosos
Por onde se estravasa o líquido em tropel;
Mil anos de labor, de esforços fatigosos,
Tudo seria vão para encher o tonel.

O Rancor é qual ébrido em sórdida taverna,
Que quanto mais bebeu inda mais sede tem,
Vendo-a multiplicar como a hidra de Lerna.

IMPROVISO

 

Porque languida essa frente
Descai, quando a tarde espira?
Porque nesse olhar dormente
Tua alma ingenua suspira?

Porque? ai! porque? responde;
Que se amor do ceo procura,
Eil-o; em meu peito se esconde;
Vive, é teu, tens a ventura!

Verás como então brilhante,
Seduz, toma vida, inspira,
Esse teu bello semblante,
Que apenas hoje se admira!

Ilha da Madeira--Novembro de 1850.

Ha já duzentos soes, ha quatro luas

    Ha já duzentos soes, ha quatro luas,
    Que te pedi que a Igreja abandonasses.
    Tu és cruel, Senhora! continúas,
    Como se agora apenas começasses.

    Á sexta-feira e ao sabbado jejuas,
    E tanto te pedi que não jejuasses.
    E o que dóe mais, Senhora, é que insinuas
    Em voz que tanto dóe: «Se me imitasses...»

    Nenhuns peccados tens. És anjo e santa.
    Boa como o ceu, simples como a planta,
    Cozes p'ros pobres, fazes boas-obras!

Novo dia

 

Já vem brilhando a luz do novo dia.

Homens se fundem aos anjos...

Galos emitem sons dourados dum certo troiado

Um verdor esplêndido nasce cheio de alegria.

 

 Nuvens tecem novas figuras geométricas no céu suntuoso.

Treme a casinha de campo ao longe do seringal:

Cachoeiras cristalinas, vento suave, vida longa sem igual...

Um recanto dadivoso.

 

Sopra o vento nas silhuetas da floresta...

Levantando um redemoinho de folhas talhadas,

Esparramando pelo o ar iluminado flores perfumadas

A LUA

Esse olhar silencioso
    Em que lingua se traduz?
    Falla-me, oh astro saudoso,
    Luz do céo, pallida luz!
      Que aereas visões me acordas,
    Que imagem, lua, recordas
    N'essa prateada côr?
    Que ha em ti, que a dôr mitiga,
    Que ha em ti, lampada amiga,
    De meigo e consolador?

Pages