Geral

Apparição- Á VIRGEM SANTISSIMA

    Pelas espadas que tu tens no peito,
    Pelos teus olhos rôxos de chorar,
    Pelo manto que trazes de astros feito,
    Por esse modo tão lindo de andar;

    Por essa graça e esse suave geito,
    Pelo sorriso (que é de sol e luar)
    Por te ouvir assim sobre o meu leito,
    Por essa voz, baixinho: «Ha-de sarar...»

    Por tantas bençãos que eu sinto n'alma,
    Quando chegando vens, assim tão calma,
    Pela cinta que trazes, côr dos ceus:

DE PROFUNDIS CLAMAVI AD TE DOMINE

_Á Leo_

Ao charco mais escuso e mais immundo
Chega uma hora no correr do dia
Em que um raio de sol, claro e jocundo,
O visita, o alegra, o alumía;

Pois eu, nesta desgraça em que me afundo,
Nesta contínua e intérmina agonia,
Nem tenho uma hora só dessa alegria
Que chega ás coisas infimas do mundo!...

Deus meu, acaso a roda do destino
A movimentam vossas mãos leaes
Num aceno impulsivo e repentino,

ADEUS!

    Adeus tranças côr de oiro,
    Adeus peito côr de neve!
    Adeus cofre onde estar deve
    Escondido o meu thesoiro!

    Adeus bonina, adeus lirio
    Do meu exilio d'abrolhos!
    Adeus oh luz dos meus olhos
    E meu tão dôce martyrio!

    Desfeito sonho doirado,
    Nuvem desfeita de incenso,
    Em quem dormindo só penso,
    Em quem só penso acordado!

    Visão sim mas visão linda!
    Sonho meu desvanecido!
    Meu paraiso perdido
    Que de longe adoro ainda!

*O VISIONARIO ou Som e Côr*

(A Eça De Queiroz)

     Eu tenho ouvido as simphonias das plantas.

Eu sou um visionario, um sabio apedrejado,
Passo a vida a fazer e a desfazer chymeras,
Em quanto o mar produz o monstro azulejado
E Deus em cima faz as verdes primaveras.

Sobre o mundo onde estou encontro-me isolado,
E erro como estrangeiro ou homem d'outras eras,
Talvez por um contacto ironico lavrado
Que fiz e já não sei talvez, n'outras espheras.

Se te queres

Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...

REMOINHO

Olha como embrulhado
    Que está ainda o céo
    E o chão, como ensopado
    Da agua que choveu...

    Foi um diluvio d'agua;
    E o furacão, que fez,
    Emilia! até dá mágoa
    Tantos estragos: vês?

    Esta infeliz víuva,
    Foi-lhe o telhado ao ar;
    Depois, já nem da chuva
    Tinha onde se abrigar.

    De mais a mais sósinha,
    Sem ter nenhum dos seus
    Aqui ao pé; ceguinha...
    Bemdito seja Deus!

Á SUPERIORA D'UM CONVENTO DE PARIS

Não me esqueço de si, minha Mãe, fôra
    Onde fôra. Ao contrario, lembro ás vezes
    Essa viagem nossa (de ha alguns mezes)
    Sobre as agoas do mar! Se fosse agora...

    Oh o encanto da viagem seductora!
    Que bem me disse então dos Portuguezes!
    Que faria hoje! foram-se os revezes!
    O que lá vae pela Africa, Senhora!

    Depois, ao separarmo-nos no Tejo,
    Disse-me (com que voz e com que modos!)
    «Deus o faça feliz, ao seu desejo!»

Ao Cahir das Folhas

A MINHA IRMÃ MARIA DA GLORIA

    Podessem suas mãos cobrir meu rosto,
    Fechar-me os olhos e compôr-me o leito,
    Quando, sequinho, as mãos em cruz no peito,
    Eu me fôr viajar para o Sol-posto.

    De modo que me faça bom encosto,
    O travesseiro comporá com geito.
    E eu tão feliz! por não estar affeito,
    Hei-de sorrir, Senhor! quazi com gosto.

    Até com gosto, sim! Que faz quem vive
    Orpham de mimos, viuvo de esperanças,
    Solteiro de venturas, que não tive?

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