O meu olhar azul como o céu
Autor: Alberto Caeiro on Saturday, 29 December 2012
O meu olhar azul como o céu
É calmo como a água ao sol.
É assim, azul e calmo,
O meu olhar azul como o céu
É calmo como a água ao sol.
É assim, azul e calmo,
Olha como embrulhado
Que está ainda o céo
E o chão, como ensopado
Da agua que choveu...
Foi um diluvio d'agua;
E o furacão, que fez,
Emilia! até dá mágoa
Tantos estragos: vês?
Esta infeliz víuva,
Foi-lhe o telhado ao ar;
Depois, já nem da chuva
Tinha onde se abrigar.
De mais a mais sósinha,
Sem ter nenhum dos seus
Aqui ao pé; ceguinha...
Bemdito seja Deus!
Não me esqueço de si, minha Mãe, fôra
Onde fôra. Ao contrario, lembro ás vezes
Essa viagem nossa (de ha alguns mezes)
Sobre as agoas do mar! Se fosse agora...
Oh o encanto da viagem seductora!
Que bem me disse então dos Portuguezes!
Que faria hoje! foram-se os revezes!
O que lá vae pela Africa, Senhora!
Depois, ao separarmo-nos no Tejo,
Disse-me (com que voz e com que modos!)
«Deus o faça feliz, ao seu desejo!»
A MINHA IRMÃ MARIA DA GLORIA
Podessem suas mãos cobrir meu rosto,
Fechar-me os olhos e compôr-me o leito,
Quando, sequinho, as mãos em cruz no peito,
Eu me fôr viajar para o Sol-posto.
De modo que me faça bom encosto,
O travesseiro comporá com geito.
E eu tão feliz! por não estar affeito,
Hei-de sorrir, Senhor! quazi com gosto.
Até com gosto, sim! Que faz quem vive
Orpham de mimos, viuvo de esperanças,
Solteiro de venturas, que não tive?
_A João da Silva_
«Anda a dôr dissimulada
Mas ella dará seu fruito.»
Crisfal
«_Vae ser pedida. Casa qualquer dia._»
(_Trecho duma carta_)
Tive noticias hoje a teu respeito:
«Vae ser pedida. Casa qualquer dia».
E o coração tranquillo no meu peito
--Continuou a bater como batia...
Surpreso duma tal serenidade,
Todo eu, intimamente, me sondava:
Pois nem ciume? Nem sequer saudade?!
--E nem ciumes, nem saudade achava...
Quem és, que ao vêr-te o coração suspira,
E em puro amor desfaz-se!
Raio crepuscular do sol que nasce,
De lampada que expira!
Como os teus pés são lindos! como é dôce
A curva do teu peito!
Oh! se o meu coração fosse o teu leito,
E o teu amado eu fosse!
Que preciosas perolas descobre
Teu meigo humido labio!
E, virgem! como Deus foi justo e sabio
Em te fazer tão pobre!
Nós eramos uns dez ou onze convidados,
--Todos buscando o gozo e achando o abatimento,
E todos afinal vencidos e quebrados
No combate da Vida inutil e incruento.
Tocava o termo a ceia--e ia surgindo o alvor
Da madrugada vaga, etherea e crystallina,
A alguns trazendo a vida, e enchendo outros de horor,
Branca como uma flor de prata florentina.
Todos riam sem causa.--A estolida batalha
Da Materia e da Luz travara-se afinal,
E eram já côr de vinho os risos e a toalha,
--E arrojavam-se ao ar os copos de crystal.
O maestro sacode a batuta,
A lânguida e triste a música rompe ...
Lembra-me a minha infância, aquele dia
Ai d'aquelles que, um dia, depozeram
Firmes crenças n'um bem que lhes voou!
Ai dos que n'este mundo ainda esperam!
Terão a sorte de quem já esperou...
Ai dos pobrinhos, dos que já tiveram
Oiro e papeis que o vento lhes levou!
Ai dos que tem, que ainda não perderam,
Que amanhã, serão pobres como eu sou.
Ai dos que, hoje, amam e não são amados,
Que, algum dia, o serão, mas sem poder!
Ai dos que soffrem! ai dos desgraçados