Geral

*O Meu Cachimbo*

Ó meu cachimbo! Amo-te immenso!
Tu, meu thuribudo sagrado!
Com que, bom Abbade, incenso
A Abbadia do meu passado.

Fumo? E occorre-me á lembrança
Todo esse tempo que lá vae,
Quando fumava, ainda criança,
Ás escondidas do meu Pae.

Vejo passar a minha vida,
Como n'um grande cosmorama:
Homem feito, pallida Ermida,
Infante, pela mão da ama...

Por alta noite, ás horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para fallar comtigo a sós.

*A Sombra*

Não tarda a sombra, ahi. Vae alto o Sete-Estrello
    São horas d'ella vir. Minha alma, attende!
    Que já a lua, a sentinella, rende
Na esplanada do céu, ás portas do Castello...

Oiço um rumor: talvez... Eil-a, é ella: ao longe, avisto
    Seu vulto em flor: postas as mãos no seio,
    Com o cabello separado ao meio,
Todo caido para traz, como o de Christo!

*MADRIGAL DA RUA*

Ó irmã das açucenas!
Meu coração é um horto,
Semeado de mais penas
Que as chagas d'um Christo morto.

Tanto é ver-te o meu desejo!
Tanto em mim poder conservas!
Que eu creio se não te vejo
Já ser debaixo das hervas!

..........................................

Debaixo d'essas janellas
Sempre crueis e fechadas,
Hontem á noute, ás estrellas,
Deram-me quatro facadas!

Mas nenhuma fez no peito
O mal,--que por minha cruz!
Os teus olhos me tem feito
Dando facadas de luz!

O PASSEIO DE SANTO ANTONIO

_A Columbano_

     La fleur des traditions nationales est flétrie. Mais libre a tous
     de puiser, dans l'herbier cosmopolite des legendes, les admirables
     pretextes à fiction qu'il recèle.

    (_Litterature à Tout á L'Heure_.)

Sahira Santo Antonio do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um candido sermão sobre o peccado.

DUVIDA

Amas-me a mim! Perdôa;
    É impossivel! Não,
    Não ha quem se condôa
    Da minha solidão.

    Como podia eu, triste,
    Ah! inspirar-te amor,
    Um dia que me viste,
    Se é que me viste... flôr!

    Tu, bella, fresca e linda
    Como a aurora, ou mais
    Do que a aurora ainda,
    Mal ouves os meus ais!

    Mal ouves porque as aves
    Só soltam de manhã
    Seus canticos suaves;
    E tu és sua irmã!

*Ao Canto do Lume*

Novembro. Só! Meu Deus, que insupportavel mundo!
    Ninguem, viv'alma... O que farão os mais?
Senhor! a Vida não é um rapido segundo:
Que longas horas estas horas! Que profundo
    Spleen o d'estas noites immortaes!

Faz tanto frio. (Só de a ver me gela, a cama...)
Que frio! Olá, Joseph! bota mais carvão!
E quando todo se extinguir na aurea chamma,
Eu botarei (para que serve? já não ama...)
As cinzas brancas, meu vermelho coração!

*FARÇA TRISTE*

Je suis son pére.
     (Flaubert)

Ninguem diria ao certo a edade que teria!
Era um velho devasso e histrião--bom guia
Para mostrar de noute, aos baços candieiros,
As casas de bordeis aos velhos estrangeiros.

Encontravam-o sempre a errar, imbecilmente;
Era alto, magro, hostil, e dava-se á aguardente--

Tinha um certo tremor em todo o corpo--o vinho
Dava-lhe um rir constante; tinha o sorrir mesquinho
E dubio que nos faz arrepiar mau grado;--
Fôra mendigo e actor, ladrão, bobo e soldado.

Estando o A. doente, e mandando pedir algum prato á meza...

_Estando o A. doente, e mandando pedir algum prato á meza, aonde jantava
o sobredito Leigo_.

Hum estomago cansado,
De cuja antiga ruina
Tem sido cauzas iguaes
A molestia, e a Medicina;

Que tendo em si dos tres Reinos
As perigozas heranças,
Só não bebeo das Boticas
Os S. Migueis, e as balanças;

Hum estomago sem forcas,
E ás leis geraes ínfiel,
Que não trabalha em diamante,
Como o de Fr. Manoel;

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